9.5.14

"Depois da Revolução".




Ontem fui ao Teatro do Bairro ver "Depois da Revolução". Sendo anunciado como "teatro musical", eu normalmente não iria: vejo poucos espectáculos, pelo que sou ferozmente selectivo e o género "teatro musical"... bem, costumo preferir ópera, mesmo, a sério. Fui, desta vez, por estarem lá em cena dois amigos, que fiz por termos sido parceiros no projecto "Ilusão". E o que tenho a dizer é: gostei mesmo.

Dos vários espectáculos a que assisti nesta onda de "saudosas comemorações 40 anos depois", este é o único em que todos os que dão a cara são nascidos depois do "dia inicial inteiro e limpo". Isso tem algum significado: quanto não vale ver gente que já nasceu em liberdade a falar de algo que lhes podia ser indiferente, como a tantos acontece? Esse aspecto é uma centelha de esperança: valeu a pena fazer alguns disparates para que esta gente "normal" (como a Sónia e o Luís) possa representar "a revolução" como história, pronto, isso que se fez e nos trouxe aqui e não é preciso fazermos de heróis, podemos simplesmente fruir e compreender.

Mas isso podia ser pouco, se fosse só isso. Não foi só isso. Não há ali propriamente uma história (o espectáculo é uma sucessão de quadros) e isso poderia ser irritante, mas, por outro lado, aquele mosaico é muito equilibrado a dar vários ingredientes: tem uns pós de crítica da situação actual (logo no início alguém diz para outro "tu és pós-pós-pós-doutorada"; o desemprego larvar não está ausente; "este parte, aquele parte, todos todos se vão" é uma canção que não é cantada mas cujo referente é evocado), retoma questões candentes de outras revoluções historicamente relevantes (o episódio da guilhotina, uma outra referência que julgo ser aos cartistas ingleses, mas não estou certo), suscita questões básicas de filosofia política mais relevantes hoje em dia do que gostaríamos (não terá de haver sempre uma "classe baixa" para a "classe alta" fazer o progresso?) - e, claro, evoca textos e situações reais da revolução portuguesa, fazendo-o sem pudor e sem excessivo respeito, porque a veneração não é para estas santidades. E a receita é equilibrada também nas emoções: um pouco de revolta, um pouco de preocupação, um pouco de ironia, também alguma alegria.

Como eles dizem: "Depois da Revolução é um teatro musical, quase todo ele cantado, mas também gritado, encenado, dançado, sonhado...". E uma comemoração que pode ser amada, entristecer, fazer pensar... e, acima de tudo, ajudar-nos a fazer um balanço: o capitalismo recuperou quase tudo, mas a liberdade está aí e esta gente usa-a para nos dar arte. E "esta gente" é uma nova geração, menos saudosista do que nós, mas que verdadeiramente leva à vida, à prática, o que valeu a pena na revolução.

(Até 18 de Maio. É de ir.)