Há um jornal diário que relata hoje o que seriam as hesitações da direcção do PS acerca de deixar ou não deixar José Sócrates entrar na campanha eleitoral do seu partido. A história começou na edição em papel, evoluindo depois, na edição em linha, para a versão de que Sócrates está guardado para o último dia. Não sei o que será exacto ou especulação nesses relatos, mas nem interessa: que isto seja "notícia" mostra bem por onde tem andado o PS nos últimos tempos.
Há candidatos a deputados europeus, parecendo dar voz aos receios da direcção do PS, que temem que o aparecimento de Sócrates "levante velhos fantasmas" e "forneça argumentos aos partidos do governo". E temem bem: a actual direcção do PS foi a principal responsável pela legitimação da narrativa do PSD e do CDS acerca da crise.
A actual direcção do PS, por palavras e por silêncios, suportou as estórias da direita acerca da natureza socrática da crise: afinal, não foi uma enorme crise internacional - mas uma crise provocada pela má governação de Sócrates; afinal, não foi a União Europeia a incentivar uma resposta "despesista" à crise, tendo mudado depois de agulha e deixando à sua sorte quem ficou mais exposto aos mercados - mas um devaneio socrático; afinal, aqueles que provocaram a crise política (empurrando o governo para a demissão com o chumbo do PEC IV, que era aquilo em que a UE estava disposta a apostar) não tiveram responsabilidade nenhuma no resgate - como se sabe, os mercados adoram investir em países em crise política. A actual direcção do PS sentiu necessidade de deixar passar essa narrativa da direita, para efeitos internos (esmagar o fantasma socrático) e não pensou um segundo sequer no efeito que esse silêncio cúmplice teria na legitimação da política governamental.
Mesmo depois da crise interna, quando Seguro e Costa pareceram dar as mãos em nome do superior interesse do partido, o sectarismo da direcção do PS não mudou nada no essencial. Seguro é mais sorridente, mais redondo ainda do que o costume, mas não perdeu nenhum dos preconceitos e leituras erradas acerca do passado recente - e não deu nenhum passo relevante para uma abertura do partido a valores que circulam fora do seu círculo. A abertura de Seguro a Assis é inconsequente: Assis fala bem mas não tem um pingo da adesão à realidade da governação de um país, adesão à realidade que caracteriza António Costa e o torna diferente no contexto actual da política nacional. Aliás, candidatar Assis ao Parlamento Europeu foi uma mera jogada interna, para poder dividir algum resultado eleitoral que fosse menos risonho. Esta abertura a Assis não esconde que Seguro continua a ter uma ideia acerca dos mais recentes anos da vida nacional que é uma leitura, na melhor das hipóteses, infantil - e, na pior das hipóteses, criminosa, porque o deixa incapaz de perceber o que é preciso fazer no futuro.
O regresso do fantasma de Sócrates mostra que o PS de Seguro continua a pensar que somos todos tolos. Se Sócrates é que teve a culpa da crise internacional, não é por esconder o homem na RTP que isso deixa de ser importante na avaliação política. Se Seguro pensa isso, está errado, mas pelo menos que seja consequente: que o diga ao país, com todas as letras. O que não vale a pena é andar a jogar às escondidas. Os portugueses só podem esperar que contribua para o nosso futuro comum quem seja capaz de assumir o passado; quem tenta esconder o passado na gaveta, por fraqueza pessoal ou por falta de senso político, dificilmente poderá convencer os portugueses da sua capacidade para liderar um caminho de futuro.
Entretanto, a campanha segue às mil maravilhas: tanto a direita como a esquerda da esquerda estão a conseguir passar a mensagem de que, em termos europeus, PS e PSD/CDS não diferem muito. O próprio Assis parece apostado em deixar marinar essa colagem. Entretidos a fazer das Europeias uma espécie de treino para as legislativas, os socialistas não percebem que "esta" Europa não diz nada de bom aos portugueses - e que, por isso, estão a prestar um mau serviço à alternativa europeia com este discurso de convergência mole. Aproveitar as Europeias para falar de governo não deveria servir para deixar cair o europeísmo português numa modorra que não augura nada de bom.