Eduardo Torassa, La Furia del Crepusculo
1. A Nova Democracia, a direita grega cujas aldrabices foram a causa próxima da actual crise naquele país, ganhou as eleições de ontem. O crime compensa, portanto. Neste caso, beneficiar o infractor passou por um problema que é hoje em dia corrente para os socialistas europeus: os socialistas não representam os mesmos interesses, nem a mesma base social, que a direita, pelo que, quando aplicam as mesmas políticas que a direita, pagam um preço muito mais alto por isso. O PASOK foi tirar do lume as castanhas que a Nova Democracia tinha lá colocado, mas, nessa altura desacompanhado no resto da Europa, não conseguiu inventar margem de manobra para uma receita menos brutal socialmente – e assim se tornou uma das principais vítimas da situação. Por muito que custe dizê-lo, é saudável que assim seja: se partidos diferentes fizerem as mesmas políticas quando chegam ao governo, isso constitui uma fraude à obrigação que a democracia tem de oferecer alternativas ao eleitorado. Esta é uma lição que não serve apenas para a Grécia.
2. Parte do sucesso da Nova Democracia é o preço pago pelo medo à coligação Syriza, medo que muitos eleitores tiveram de uma força política que, como muita da esquerda que por aí anda, é boa a protestar mas menos boa a explicar o preço a pagar pelas soluções radicais, menos boa a falar concretamente acerca dos seus reais planos de governação. Hoje, é preciso um debate democrático, quer dizer, um debate em que todos colocam em cima da mesa uma avaliação das consequências expectáveis das suas propostas, uma estimativa de custos e sofrimentos associados. Em geral, os proponentes das saídas mais radicais esmeram-se a apontar os defeitos dos planos dos outros, mas cuidam menos de explicar o dia de amanhã no caso de aplicarem as suas próprias receitas. Curiosamente, entre a esquerda portuguesa, as teses acerca da saída de Portugal do Euro acalmaram um pouco depois de Louçã ter co-autorado um livro cujo primeiro capítulo explica bem o que isso poderia acarretar. A Syriza amedrontou muita gente precisamente por pedir um voto de ruptura sem apresentar ideias claras acerca do que fazer a seguir. A sua reacção inicial aos resultados, recusando à partida entrar para um governo se não for o seu governo, só justifica o medo que provocou em muitos eleitores, apesar de ser mais ou menos evidente que qualquer governo vai tentar obter dos financiadores melhores condições para o país.
3. A estratégia da pureza – os bons contra os maus, os puros contra os impuros, os limpos contra os sujos – continua a ser a marca de uma radical incompreensão. A radical incompreensão de que a democracia não é uma procura da linha absolutamente justa (como é o caso de regimes teológicos). A radical incompreensão de que a democracia só pode ser a procura, em situações historicamente concretas, da melhor combinação possível dos interesses em presença – não segundo um critério dogmático, exterior ou superior, mas a melhor combinação possível segundo os critérios dos próprios interesses em presença. É, por isso, de aplaudir a proposta do grupo dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, que apelou a uma grande coligação na Grécia, incluindo a Syriza. Em certos momentos, o conteúdo do que se pode fazer é indissociável da combinação de forças que são chamadas a participar. É este o momento para perceber isso – e é também o momento para saber se a chamada esquerda radical grega percebe o desafio. Isso interessa-nos, por todas as razões: por sermos europeus, por sermos de esquerda.
4. Quer isto dizer que a Syriza deve esquecer o seu eleitorado anti-austeridade? Não; os eleitos devem representar quem os elegeu. O que isto quer dizer é que há uma grande diferença entre insistir num objectivo ou insistir em que tenha de usar-se o nosso próprio método para avançar em direcção a esse objectivo. Uma coisa é firmeza, outra coisa é sectarismo. A firmeza é necessária à salubridade da democracia; o sectarismo é o seu coveiro. E vai nisso uma grande diferença.