29.6.12

a política da vaia.


O Público escreve que «A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, foi esta quinta-feira vaiada violentamente no Terreiro do Paço, em Lisboa, por centenas de manifestantes, depois de um conjunto de presidentes de câmara terem sido impedidos de entregar à ministra um documento reivindicativo sobre a revisão do mapa judiciário.»

Decididamente, a política em Portugal tornou-se um assunto de vaia. Certos políticos menos apreciados são recebidos, em qualquer lado onde se desloquem, por vaias supostamente populares. E digo "supostamente" porque estou em crer que a maior parte desses "espontâneos" são "encaminhados". Esta técnica de perseguição foi iniciada, na modalidade sistemática, ao tempo da oposição ao anterior governo. Poderia, assim, pensar-se "cá se fazem, cá se pagam", aprovando que os actuais governantes provem da mesma receita com que foram coniventes anteriormente, quando pensavam que esse tipo de oposição lhes convinha. Não é essa a minha posição: fui antes, e sou agora, frontalmente contra essas tentativas de cercar os governantes, contra essa maneira de transformar um governante desamado num alvo de fúria.
Neste caso noticiado pelo Público parece que há alguma convergência entre autarcas - eleitos, também eles - e a multidão vaiante. Pior ainda, se assim foi: políticos usam directamente contra outros políticos aquele dispositivo que pretende usualmente estar legitimado pela "espontaneidade" "popular" (não queiram calar o povo que vaia, parece ser o fundo dessa perspectiva, que aqui perde qualquer credibilidade, se ainda a tinha).
Eu posso até perceber a fúria, perceber que a fúria tenha razões, que seja necessária alguma raiva para não nos deixarmos amordaçar ou adormecer - mas não concordo que essa pulsão seja levada para a posição de substituto da luta de ideias. Se a política deixar de ser fundamentalmente uma luta de ideias e interesses enquadrada por instituições, deixa de ser uma forma de nos entendermos no quadro nacional e passamos ao estado de guerra civil latente.
Já houve, num passado muito próximo, forças partidárias que jogaram nessa espécie de "guerra civil" em lume brando. Foi esse, aliás, o cimento possível para a coligação negativa entre a direita e a esquerda da esquerda, contra o inimigo comum que era o governo do PS. Essa forma de política mínima não deu bons resultados: provocou uma crise política que nos atirou para o "resgate", em nome de promessas tolas que rapidamente se revelaram puras mentiras com os actuais governantes. Como foi possível essa forma irracional de lidar com as dificuldades? Foi possível porque o estado de guerra civil sem tiros criou as justificações para todos os comportamentos irracionais que as guerras civis são quando as olhamos na óptica do bem comum.
É isso que não podemos tolerar, não podemos deixar que volte a acontecer: numa democracia "a rua" tem o seu papel, mas ele não pode ser fundamentalmente esta promoção do desafio físico às pessoas dos governantes, este cerco permanente e omnipresente aos rostos do poder. Por muito desagradáveis que eles nos sejam, tenham eles mais ou menos culpa pelas nossas fúrias.
Por isto sou contra a política da vaia sistemática.


(Adenda: E continua: Ministro da Economia insultado e cercado na Covilhã.)