23.10.11

sangue do meu sangue.





SANGUE DO MEU SANGUE, de João Canijo.

Ontem fomos ver o filme. A versão longa (não se nota nada que são três horas e qualquer coisa). Não tenho nada de particular para acrescentar ao que por aí se tem dito. A difícil simplicidade aparente com que se mostra como é viver sem intimidade nenhuma: estar constantemente a ouvir os vizinhos; estar sempre uma outra história a correr dentro de casa enquanto trato das voltas do meu próprio drama. A subtileza com que a banda sonora ajuda nesse mostrar. A história geral até pode parece banal (não vou desvendar, para quem não tenha visto - porque tem de ver), mas tem uma volta muito própria dada pela protagonista, que percebe bem que o mundo muda completamente se soubermos certas coisas. É algo que, visto de outra direcção no tempo, se explica por uma frase de Philip Roth em Casei com um comunista: «É óbvio que não deveria constituir uma surpresa por aí além descobrir que a história da nossa vida incluía um acontecimento, algo de importante, que desconhecemos por completo – que a história da nossa vida é em si mesma, e por si mesma, algo a respeito do qual sabemos muito pouco.» E acerca da qual pode ser preferível não saber certas coisas. A volta, na história, é outra face desta questão. Depois, há a brutalidade da vida: cheira-lhe mal, senhora? É que ela é mesmo assim. E há quem se esforce, quem faça por fazer - embora isso não ponha ninguém ao abrigo de nada, claro.
Hoje vimos, em casa, o documentário do processo de chegar ao filme: "Trabalho de actriz, trabalho de actor". Por aqui se percebe, desvendado o método de criação, onde está a grandeza do filme. A grandeza do filme está na direcção de actores. A forma como eles cresceram com a ideia, como se fizeram da família uns dos outros e habitantes daquele mundo, tornando-os gente de dentro, acho que tem de ser entendida como o segredo do realismo estupendo que nos brindam. Nesse sentido, o método de construção da obra, apresentado neste documentário, é que determina a capacidade que houve para cada interveniente compreender carnalmente o que estava ali a fazer.
Pela vossa rica saúde (mental), vão ver.