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22.9.17

A Fábrica de Nada.

18:58


O filme A Fábrica de Nada pode querer ser uma homenagem a uma experiência de auto-gestão iniciada em 1975. Mas, para quem se senta na sala de cinema a ver o filme, ele começa por ser sobre a crise. É preciso estar relativamente bem informado acerca de certas coisas, e muito atento, para não estar a ver aquilo e a pensar nesta crise mais recente. Isto estabelece um olhar que dificulta a compreensão do filme como estando a dizer algo sobre um episódio que começou há muito tempo.

Olhando assim, o filme parece uma colagem de dois meios-filmes etnográficos. Uma metade sobre a crise. A outra metade sobre uma certa esquerda. O meio-filme etnográfico sobre a crise nunca será demasiado realista, apesar de tudo. O meio-filme etnográfico sobre uma certa esquerda é cruel. Injustamente cruel. Se alguém pretendesse fazer um filme para ridicularizar uma certa esquerda alternativa, não faria melhor do que este filme.

Qualquer um tem direito a fazer filmes cruéis sobre uma certa esquerda. Mas duvido que as pessoas envolvidas neste filme tivessem querido fazer precisamente isso.

Porfírio Silva, 22 de Setembro de 2017


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1.2.14

“Se eu fosse ladrão… roubava”.

10:54


Ontem à noite fui à Cinemateca ver o último filme de Paulo Rocha, o cineasta que morreu no final de 2012. Esta ante-estreia prenuncia uma próxima passagem ao circuito comercial. A sessão foi também de homenagem ao realizador, com a presença de vários intervenientes na obra, actores e outros. A Cinemateca recebeu, por testamento, tudo o que era de Paulo Rocha e estava relacionado com o cinema, deixando nas mãos desta instituição pública uma oportunidade e uma responsabilidade enormes.
Não vou tentar fazer uma crítica do filme, já que não sou competente para tanto. Apenas direi que o filme revisita a nossa história colectiva, pelo menos à escala do último século, revisitando a história de uma família (talvez importe que seja a família do realizador, talvez isso não importe assim tanto). E, quanto à forma, revisitando quase todas as longas-metragens anteriores de Paulo Rocha, fazendo do último filme um testamento global, uma síntese, uma releitura, um outro-mesmo olhar sobre a totalidade do mundo.
O filme intitula-se “Se eu fosse ladrão… roubava” e é de uma enorme complexidade, com várias camadas dificilmente captáveis numa primeira visualização. Apenas começamos a entender. Contudo, o filme é, indesmentivelmente, sobre o medo. Como é medonho e prenhe de sentido o medo. Ou, mais exactamente, sobre como mete medo essa tarefa necessária e talvez inglória de tentar perder o medo ao medo. O pai, a morrer, interpretado por Luís Miguel Cintra, diz ao filho a quem aquela doença do mundo aterra: “Vitalino, não tenhas medo, olha que o mundo é maior do que isto que se vê…” E essa declaração ecoa pelo filme todo. É o raio de luz dentro do breu.
Precisamos – continuamos a precisar – de olhar para o medo. O medo de cada um, o medo de um povo. O medo de sempre, mesmo que com vozes novas. Este filme faz isso, de forma vital, que nos deixa esmagados. Mas vivos.


16.6.12

O Cavalo de Turim.



Fui ver o último filme do húngaro Béla Tarr, O Cavalo de Turim, e sobrevivi para vos contar.

Segundo a revista Atual/Expresso de hoje, o realizador terá dito, para afastar os intérpretes filosóficos, em jeito de conselho, o seguinte: "Por favor, acredite só nos seus olhos". Não posso imaginar conselho mais disparatado, para não dizer conselho mais carregado de má-fé, do que este, ainda por cima sobre este objecto. Como bem disse, e explicou, N. R. Hanson (Patterns of Discovery, 1965), os olhos não vêem, quem vê são as pessoas. E há ali muito para ver, coisa que vai muito além de acreditar nos olhos.

O Cavalo de Turim pinta um quadro, com dois traços principais em termos de ideias sobre o mundo e um esquema formal significativo a que se pode dar mais ou menos importância, mas não esquecer.

Quanto às duas ideias sobre o mundo.
Primeira: tudo no filme se passa num mundo fora das instituições humanas, num mundo o mais possível enterrado na nossa condição natural de bichos. Não há sequer uma família no sentido em que a família é uma instituição social, culturalmente enraizada, complexa e sofisticada. Há um pai e uma filha que tratam de sobreviver, ponto final. Os contactos com outras pessoas são hostis (como com os ciganos) ou banalmente necessários na ordem do imediato (como com o anti-Nietzsche que vem comprar aguardente - e sei que o realizador nega que algo no filme tenha a ver com Nietzsche, mas isso não depende do que ele diz querer, nem sequer do que ele quer realmente).
Segunda: o filme passa-se num mundo onde o mal moral e o mal natural são a mesma coisa. Assim como continuar a pensar que o terremoto de Lisboa em 1755 foi castigo divino para os pecados dos alfacinhas. A tempestade tem um significado moral, não é o fim do mundo físico, é o fim da ordem do mundo, é o fim da ordem como mundo, é o desabar de que alguém tem a responsabilidade (talvez a América, para onde os ciganos querem ir).

Quanto ao esquema formal: o filme é uma anti-criação, o desfazer da criação divina, provavelmente de novo desempenhada pelo mesmo Deus. São seis dias (na criação bíblica, o sétimo dia é de descanso depois da obra, aqui não cabe haver descanso depois do desmontar da obra) e a última coisa a ser des-criada é a luz. O desaparecimento da luz consuma o desaparecimento do mundo.

As duas ideias sobre o mundo que, a meu ver, dominam o filme, mereceriam uma dúvida: Tarr propõe que pensemos nessas ideias, porque elas andam por aí e devem ser reflectidas, ou propõe que elas são caminhos interessantes para ler a condição humana? Não consigo demonstrar, pelo que entendi do filme, qual é a resposta mais adequada. Contudo, o esquema formal da anti-criação sugere-me que o filme propõe uma metafísica que incorpora aquelas duas ideias acerca do mundo: um mundo vazio de instituições e um mundo onde a ordem natural expressa uma ordem moral. Provavelmente, faltaria acrescentar que a des-criação do mundo seria o castigo dos nossos pecados.

O filme é belo: custa a aceitar que estamos a ver aquilo mas, depois de o aceitarmos, é um objecto poderoso (a cuja estratégia convêm os seus 146 minutos de duração). Mas este filme contém uma visão do mundo que cava em tudo o que me repugna como metafísica. E de nada vale o realizador pedir para acreditarmos apenas nos nossos olhos.

26.1.12

com base numa história verídica.

21:30



Ontem, para descontrair, fui ver Moneyball. Não acho que seja um grande filme, mas não me arrependo de ter ido.
Não obstante, acautelem-se: é de utilidade saber o mínimo sobre o funcionamento básico do jogo do basebol. Eu, que na adolescência vivi durante algum tempo numa comunidade onde se jogava basebol na rua, como aqui se joga futebol (ainda tenho taco, luva e bola, mas há muito tempo que não tenho oportunidade de dar umas tacadas), levava essa vantagem. Mesmo assim, há ali factores que só seriam mais adequadamente compreendidos sabendo mais do que eu sei sobre as tácticas do jogo.
Tirando isso, acho parcialmente errado que se diga que é um filme sobre o peso do dinheiro no desporto. Acho que está em causa algo muito mais interessante: até que ponto o conhecimento (neste caso, a estatística) pode dar a volta à compreensão "humanista" da forma como funcionam as pessoas e o mundo. O filme é, a meu ver, acerca de como a "intuição dos praticantes" e a "cultura do grupo" pode ser fintada pelo conhecimento aplicado, que tende a ver as pessoas e as organizações como máquinas, as quais podem ser estudadas sem grandes sentimentos e com muita análise. Infelizmente, acho que o filme não consegue transmitir esse aspecto com grande clareza. Daí que às vezes perca de todo o ritmo e se torne por bocados um tanto morno. Daí que se compreenda que a crítica diga que é um filme sobre o peso do dinheiro no desporto. Pois, também se podia dizer que o filme é sobre a história do basebol: mas não é, embora possa parecer.
A verdade é que é precisa muita ginástica para transmitir conceitos muito abstractos num filme popular. Poucos conseguem isso. Lembro um que conseguiu: Uma Mente Brilhante, que "explica" Teoria dos Jogos como se fosse um romance. Que não é.

23.10.11

sangue do meu sangue.

19:49




SANGUE DO MEU SANGUE, de João Canijo.

Ontem fomos ver o filme. A versão longa (não se nota nada que são três horas e qualquer coisa). Não tenho nada de particular para acrescentar ao que por aí se tem dito. A difícil simplicidade aparente com que se mostra como é viver sem intimidade nenhuma: estar constantemente a ouvir os vizinhos; estar sempre uma outra história a correr dentro de casa enquanto trato das voltas do meu próprio drama. A subtileza com que a banda sonora ajuda nesse mostrar. A história geral até pode parece banal (não vou desvendar, para quem não tenha visto - porque tem de ver), mas tem uma volta muito própria dada pela protagonista, que percebe bem que o mundo muda completamente se soubermos certas coisas. É algo que, visto de outra direcção no tempo, se explica por uma frase de Philip Roth em Casei com um comunista: «É óbvio que não deveria constituir uma surpresa por aí além descobrir que a história da nossa vida incluía um acontecimento, algo de importante, que desconhecemos por completo – que a história da nossa vida é em si mesma, e por si mesma, algo a respeito do qual sabemos muito pouco.» E acerca da qual pode ser preferível não saber certas coisas. A volta, na história, é outra face desta questão. Depois, há a brutalidade da vida: cheira-lhe mal, senhora? É que ela é mesmo assim. E há quem se esforce, quem faça por fazer - embora isso não ponha ninguém ao abrigo de nada, claro.
Hoje vimos, em casa, o documentário do processo de chegar ao filme: "Trabalho de actriz, trabalho de actor". Por aqui se percebe, desvendado o método de criação, onde está a grandeza do filme. A grandeza do filme está na direcção de actores. A forma como eles cresceram com a ideia, como se fizeram da família uns dos outros e habitantes daquele mundo, tornando-os gente de dentro, acho que tem de ser entendida como o segredo do realismo estupendo que nos brindam. Nesse sentido, o método de construção da obra, apresentado neste documentário, é que determina a capacidade que houve para cada interveniente compreender carnalmente o que estava ali a fazer.
Pela vossa rica saúde (mental), vão ver.

7.2.11

cisne negro


Black Swan, de Darren Aronofsky, com Natalie Portman, Mila Kunis e Vincent Cassel. Uma história banal cheia de truques esquisitos a tentar convencer-nos que mais tarde chegará um vislumbre de grandeza - mas sem nunca lá chegar. Podia ser sobre dança (ballet), mas não é: o filme não consegue transmitir coisa alguma acerca da arte de dançar vivências diferentes (cisne branco, cisne negro). Finalmente, não passa da história de uma menina pouco empenhada em fazer certos "trabalhos de casa" receitados pelo professor, acabando por deixar a colegas oportunistas grande parte das manobras que lhe estavam prescritas como exercício "espiritual"...


(Adenda: A ideia de que este filme se aproxima do modo de Cronenberg tratar a questão o corpo... esqueçam: nem os seus filmes mais artesanais eram tão superficiais nessa matéria. Cronenberg é um filósofo-realizador.)

10.5.10

censura em Cannes?

O ministro italiano da cultura, Sandro Bondi, não vai ao Festival de Cannes (12 a 23 de Maio), em protesto por o festival acolher "Draquila, L'Italia che trema", um documentário que pretende mostrar que Berlusconi e o seu governo vampirizaram a crise resultante do terremoto em Aquila, em 2009, para obter efeitos políticos e eleitorais directos. Note-se que o título do filme conjuga Drácula com Aquila. Entretanto, a ministra do Turismo do mesmo país, Michela Vittoria Brambilla, diz que está a considerar a hipótese de processar judicialmente os autores do documentário, por supostos "danos à imagem de Itália".

Pelo seu lado, o Festival retirou do programa o filme Ça commence par la fin, de Michaël Cohen, protagonizado pelo próprio e por Emmanuelle Béart, devido às "cenas tórridas" (é assim que se costuma dizer para falar de carnes em movimentos combinados, não é?) entre os dois, que são aliás marido e mulher fora da tela.

Esta Europa está a ficar perigosa...


16.2.10

Precious, o filme

23:39

Precious, de Lee Daniels, é um filme sobre desgraças bem reais. Nada de novo: nem a dependência, nem o abuso, nem a separação das comunidades, nem a espiral de violência que se auto-alimenta, nem o facto de os "bons" serem sempre os bonitos e os limpinhos, nem a lagriminha previsível (nada contra a lagriminha: também a verto quando dá o caso), nem a indiferença que espreita, nem a coragem que também há. Estão lá todos os ingredientes de uma receita conhecida, é certo. Mas as vítimas merecem que se insista no seu caso. E, neste filme, Gabourey Sidibe, que faz de Clareece "Precious" Jones, a adolescente obesa, iletrada, mãe solteira e grávida que vive em Harlem - vale pelo filme todo.






11.2.10

só raia chaves

00:28

Sim, no passado fim de semana fui ver A Bela e o Paparazzo, último filme (em data) de António-Pedro Vasconcelos. Rapidinho, que se faz tarde, meia dúzia de palavrinhas. Foi o primeiro filme que vi onde entre aquela rapariga que a minha mulher diz que é muito expressiva corporalmente: nota-se que tem estudado qualquer coisa; mais tarde ou mais cedo terá um grande papel. A história não é mais tonta do que tantas histórias banais. O trio de rapazes da casa, com o Markl à cabeça a declarar a independência, é o único núcleo de verosimilhança narrativa do filme. E já dá muito que entreter. Entretenimento. Adiante, que vem aí o Rangel e os outros. Desculpem qualquer coisinha.



1.2.10

Invictus, o filme; Mandela, o homem



Sábado passado houve tempo para ir ao cinema. "Invictus", um filme de Clint Eastwood, com Morgan Freeman no papel de Nelson Mandela e Matt Damon como capitão da equipa sul-africana de rugby. Aconselho: é um filme a ver.
Bom, o filme não é verdadeiramente grande coisa. Muitos clichés (está-se mesmo a ver que os pretinhos e os branquinhos vão dar um abraço ou um aperto de mão quando chegar a hora da salvação), um abuso de técnicas simples de entretenimento e suspense de pacotilha (o tempo da final de rugby parece quase tempo real), aquelas coisas todas que estão desenhadas para sacar uma lagriminha (ou pelo menos um roer de unhas).
Então, por que ir ver? Porque a história é simplesmente fabulosa. É uma história verdadeira, embora pareça que há ali uns pormenores aldrabados, por exemplo o poema do poeta inglês William Ernest Henley (1849–1903) que dá o título ao filme não terá jogado exactamente aquele papel. Mas a história, no essencial real, é extraordinária.
Como extraordinário é Mandela, provavelmente o melhor símbolo de grandeza humana do século XX neste planeta (e talvez também em outros planetas). E aí bate o ponto: estou por tudo para homenagear Mandela e por apoiar homenagens a Mandela. E ele próprio concordou no essencial com este filme, o que me dá certas garantias.
A dificuldade que me parecia mais difícil de ultrapassar era a seguinte: como serei capaz de aceitar a cara de outro tipo a fazer de Mandela, quando a cara do líder histórico nos é tão familiar e presente? Pois, Morgan Freeman consegue isso ao não tentar sobrepor o seu próprio brilho ao brilho solar da personagem interpretada.
Em resumo: um filme médio que é absolutamente a não perder.

3.1.10

Ágora, o filme

23:52

aqui escrevemos anteriormente sobre o filme Ágora, que está nas salas agora. O trailer é fácil de encontrar por aí. Aduzimos hoje mais um incentivo a ir ver: uma entrevista com o realizador, Alejandro Amenábar, num excerto legendado em português.



Podendo entender espanhol, vale a pena ver a peça mais completa, em três partes a seguir.









19.12.09

Ágora, o filme; Hipácia de Alexandria, a filósofa

00:24


Ágora, o filme, é oportuno. E deve merecer-nos aqui algumas palavras.
O filme centra-se largamente na figura de Hipácia, uma filósofa da Alexandria (século IV - século V da era cristã), uma figura importante no panorama intelectual do seu tempo. Contudo, no aspecto biográfico, esqueçam: não se sabe praticamente nada sobre a sua vida e obra. Todas aquelas peripécias pessoais, tanto as amorosas (como o episódio do sangue menstrual para mostrar a um aluno apaixonado a baixeza do corpo) como as científico-filosóficas (como a antecipação da hipótese kepleriana, heliocêntrica com elipses em vez de círculo) são possibilidades, são um esforço dramático para fazer de uma pessoa um símbolo de um círculo cultural e social que devia ter também algum peso político. Nem sequer se sabe se na altura daqueles acontecimentos dramáticos Hipácia seria ainda bastante jovem e bela (amada e odiada tanto pela sua inteligência como pelo seu encanto e beleza) ou já uma mulher madura (nesse caso admirada e odiada pelo seu brilho e poder).
(À esquerda: Hipácia de Alexandria, de Charles William Mitchell)

Parece, contudo, ser altamente credível que Hipácia seria uma figura de topo de um círculo científico-filosófico com uma actividade importante (designadamente, em matemática e astronomia), a escola de Alexandria, independente e diferente da escola de Atenas, mas não sendo sequer certo que forma teria essa "escola" (por exemplo, se teria um reconhecimento e um apoio formal da administração imperial). A sua orientação filosófica seria neoplatónica, uma herdeira da grande cultura antiga, religiosa e culturalmente pagã, provavelmente convivendo com práticas mais ou menos mágicas (o que faz com que os cristãos tivessem, tecnicamente, alguma razão em a acusar de "bruxaria").


(À direita: Hipácia de Alexandria, de Onorio Marinari)
O que é certo, e isso o filme mostra bem, é que aquele foi um momento em que os cristãos agiram como bárbaros: porque agiram pelo braço brutal da populaça e com desprezo pela cultura (designadamente, os livros da segunda biblioteca da cidade); porque em termos religiosos estavam numa fase de exclusivismo (não queriam liberdade de culto, queriam que o seu culto fosse o único admitido); porque estavam a minar o Estado, tomando de assalto o poder pelo desvio da religião, sobrepondo a filiação religiosa à estrutura política da comunidade (fazendo um uso terrorista das "conversões" dos dignitários imperiais). Tudo isso é histórico e é oportuno lembrar, neste tempo em que muitos cristãos ocidentais acusam outras religiões dessas práticas. (Acusam com razão, não podem é falsear a história e esquecer que também os seus antecessores fizeram essas experiências.)

Do ponto de vista icónico, o filme faz (embora com rigor histórico, penso eu) uma identificação subtil entre a imagem dos cristãos militantes que "policiavam" a ofensiva (fazendo de tropa de choque do movimento) e a imagem que o ocidente tem hoje dos radicais islâmicos (o tipo físico e as roupas, nomeadamente, são comparáveis, o que não é de estranhar atendendo aos grupos étnicos que ocupam as paragens geográficas em causa).

O filme é político, de forma mais estrita, ao fazer reflectir sobre o uso da religião para efeitos políticos. Quem, como eu, já teve a experiência de, numa aldeia do norte deste país, estar cercado numa escola, onde tinha ido para assistir a uma sessão de esclarecimento de um partido político de esquerda, partido esse que nem sequer era o meu, tendo de ser daí "resgatado", sente aquela fúria "religiosa" da populaça de uma maneira muito especial.
O filme, como filme, não é brilhante. Mas vale a pena. É um filme útil para fazer pensar. O que, hoje em dia, faz muita falta.

Leitura recomendada: Clelia Martínez Maza, Hipatia, Madrid, La Esfera de los Libros, 2009