17.10.11

pensar a indignação.



A indignação, tal como ela se apresenta agora na praça pública de uma parte do mundo ocidentalizado (convém não esquecer essas fronteiras), merece ser pensada. Tal como convém a um blogue, vamos fazendo isso fragmentariamente. Deixo hoje duas vozes.
Segundo o Público de ontem, o ex-presidente Bill Clinton mostrou empatia com os manifestantes que protestam contra Wall Street, declarando que as movimentações poderiam converter-se em "algo positivo" se não forem apenas contra, se forem a favor de acções específicas. O seu exemplo: deviam apoiar o novo plano de Obama para a criação de emprego. Terá dito, arriscando-se a ser paternalista, que as pessoas que protestam devem abrir-se a pessoas que sabem mais. Penso que o marido da secretária de Estado chama a atenção para uma reflexão importante acerca dos "indignados": é parolo tentar manipular esses movimentos com pura simpatia ou mero apoio de conveniência, tal como é indigno fazer de conta que eles são "a única e grande" oportunidade para fazer mudanças interessantes. Esse atitude de complacência pode ser tacticamente atraente, mas ignora que não foi hoje que começou a haver gente que detectou as injustiças e luta contra elas. Passar a mão pelo pêlo aos "indignados", sem exigir rigor no respeito pelas estruturas da democracia, sem pedir um verdadeiro escrutínio de alternativas, pode ajudar as emoções de pessoas (como eu) que são capazes de reconhecer que têm saudades da efervescência "revolucionária", mas não vai ajudar a construir nenhuma alternativa. A rua é essencial em democracia, mas não há democracia nenhuma que possa viver fundamentalmente da rua. Protestar é necessário, mas o momento exige muito mais do que protestar: exige ver para lá do nevoeiro.
Outro contributo para uma reflexão crítica vem de Zigmunt Bauman, filósofo e sociólogo polaco, professor emérito da Universidade de Leeds, 86 anos. Famoso pelo seu conceito de modernidade líquida, deu uma entrevista ao El País onde aplica o conceito à actualidade da indignação. Diagnóstico do estado do mundo: a origem de todos os graves problemas da actual crise está principalmente na "dissociação entre as escalas da economia e da política." As forças económicas são globais e os poderes políticos, nacionais. Uma das consequências da resultante "descompensação" é que os políticos sejam vistos como incompetentes ou corruptos. E a resposta dos indignados? Bauman diz que este movimento é emocional e que a emoção, se é capaz de destruir, é particularmente inepta para construir qualquer coisa. A emoção é "líquida": ferve muito, mas também arrefece depressa. "A emoção é instável e inadequada para configurar algo de consistente e duradouro." O movimento cresce e cresce, mas "fá-lo através da emoção, não tem pensamento. Apenas com emoções, sem pensamento, não se chega a lado nenhum”. Afinal, resolver os complexos problemas de coordenação no seio de um colectivo sofisticado é uma tarefa exigente, que não pode ser levada a bom porto apenas com uma clara noção do que se recusa. E, para ser sincero, duvido que o movimento dos indignados tenha, sequer, uma noção clara do que realmente recusa.
Mesmo que uma certa esquerda continue a fazer de conta que estas questões não existem, eles sabem que nós sabemos que eles sabem que esta excessiva liquidez implica enormes défices de futuro no seio da indignação. E isso deve ser conversado sem diplomacias. Sob pena de a indignação, mesmo quando justa, não servir para nada.