A possibilidade de Portugal pedir ajuda internacional face à pressão dos mercados sobre a dívida soberana tem dois aspectos.
Tem um aspecto técnico: financeiramente, o dinheiro emprestado pelo Fundo Europeu de Estabilização e pelo FMI pode ter um preço mais baixo do que o preço que estamos a pagar no mercado. Se esse preço é demasiado alto em termos das condições impostas para a ajuda, é uma questão a ver: também não vamos passar bem se continuarmos a ser asfixiados por taxas de juro desproporcionadas. Financeira e economicamente a ajuda internacional pode até ser o cenário menos mau.
O busílis está em que essa possibilidade tem também um aspecto simbólico. Ironicamente, toda a gente clama por um mecanismo europeu capaz de socorrer os países atacados pelos especuladores - mas todos fogem como o diabo da cruz desta versão ad hoc desse mecanismo. É que, tal como as coisas têm sido feitas, o cenário é montado para apresentar os ajudados como falhados. Há razões para isso: são os países apanhados com fraquezas à mostra que mais facilmente são atacados pelos lobos. Só que isso mostra a fragilidade europeia: enquanto nos EUA as transferências orçamentais entre o nível estadual e o nível federal são um mecanismo normal de defesa do conjunto, na Europa isso funciona como uma tragédia grega. Esse aspecto simbólico é politicamente da maior importância.
É por isso especialmente grave o actual conluio entre Cavaco Silva e Passos Coelho. A distribuição de tarefas é a seguinte: Passos Coelho afia as facas na praça pública, só lhe faltando mandar telegramas ao FMI dando a localização das portas por onde deverão entrar os batedores para os exércitos invasores, prometendo desde já que abrirá o regaço para acolher o poder. Cavaco Silva optimiza a estratégia, fazendo o papel do cínico: "eles dizem que estão a tentar, deixem-nos tentar, não digam nada, deixem-nos estrebuchar até ao fim, para que não possam acusar-me de conluio e me deixem as mão livres para dar a machadada após as presidenciais".
Nada de surpreendente. Cavaco Silva, na verdade, sempre foi um homem de partido. Só que disfarça quando acha que não é o momento de colher os despojos da batalha. Se for hora de salvar a sua própria pele, até é capaz de vender os companheiros (como se viu na última campanha das legislativas). Já quando os céus prometem recompensas ele apresta-se a colher os louros. É essa hora que ele pensa ter chegado. A estratégia da hipocrisia, linha de continuidade de toda uma vida política, atinge o topo.