José Manuel Fernandes tem uma característica louvável: nunca deixa de defender os seus. Hoje vem nas páginas do Público a tentar sistematizar a defesa de Cavaco Silva no tocante ao caso BPN. Diz coisas acertadas, nomeadamente quanto a certos preconceitos "católicos" contra o lucro, mas deixa a pairar confusões convenientes: mistura a obtenção de lucros com acções de empresas cotadas em bolsa com uma coisa completamente diferente, que é a obtenção de lucros chorudos com acções negociadas privadamente, fora da bolsa, como foi o caso das acções que CS negociou neste caso entre amigos. JMF também ignora olimpicamente aspectos politicamente relevantes do caso. Por exemplo, passa ao lado da protecção pessoal que CS parece ter dado ao Conselheiro de Estado de sua indicação, Dias Loureiro, metido até ao pescoço na lama deste assunto, mesmo quando o cheiro a chamusco já colocava entraves ao bom uso do órgão de conselho do PR.
Além disso, e este é aqui o meu ponto, JMF lança agora uma tese verdadeiramente notável: CS livrou-se das acções da empresa detentora do BPN, mais ou menos à pressa (com a magra mais-valia de 140%) por se ter apercebido de que aquele polvo empresarial cheirava a esturro. O raciocínio de JMF é que Cavaco começou por confiar no BPN e, a dado momento, percebendo que algo não estava conforme aos mandamentos das leis das gentes, tratou de se pôr a milhas. Cavaco até mostrou, desse modo, ser muito mais esperto do que o governador do Banco de Portugal, que não percebeu nada da marosca até bastante tempo depois. Os outros pequenos accionistas andam agora em bolandas (na justiça), tentando reaver o seu, mas Cavaco viu mais longe e mais cedo e, por isso, safou-se. A frase decisiva de JMF neste argumento é a seguinte: "Cavaco Silva tratou de vender as suas acções anos antes de Vitor Constâncio, que tinha como dever supervisionar o BPN, começar a desconfiar de que algo ia realmente mal naquele banco". (Pudera, o Governador não tinha tão boas relações com os administradores de tão belo negócio.)
Quer dizer: Cavaco percebeu, muito tempo antes das autoridades, que o BPN era um negócio escuro - ou, pelo menos, um tremando erro de gestão, uma D. Branca sofisticada. Vamos supor que JMF tem razão. O que fez Cavaco então? Denunciou o caso aos cidadãos incautos que estavam a enterrar as suas poupanças num buraco? Alertou as autoridades? Pronunciou-se publicamente sobre aquele perigo? Fez saber aos seus amigos que não podiam simultaneamente ser seus amigos e estar metidos naquela falcatrua ou naquele pântano de ilusões? Não, nada disso. Retirou o seu dinheirinho, com 140% de lucro num negócio privado, e calou-se bem caladinho. Só faltaria a JMF acrescentar que Cavaco ficou, tranquilamente sentado, a fazer apostas sobre quantos desprevenidos seriam menos espertos que ele próprio, luminoso economista, e iriam dar com as trombas na parede quando a bomba estoirasse. Afinal, Cavaco seria um experimentador social, estaria a fazer economia experimental em larga escala, apenas queria testar o real valor da sua esperteza de Professor de Finanças quando comparada com a credulidade dos papalvos que se iam deixar enganar pelos seus ex-ministros e ex-secretários de estado.
Com amigos como JMF, Cavaco Silva nem precisa de adversários políticos.
(Rodapé. Também concordo que é uma tristeza que a campanha presidencial seja dominada por estes temas. Mas a culpa desse facto é de quem sempre evitou falar claro e agir claro acerca do seu papel neste imbróglio. Essa culpa não pode agora, hipocritamente, ser assacada aos outros.)