Quando uma comunidade se torna civilizada (mesmo que seja localizadamente civilizada), passa a ser possível pensar sem que chovam anátemas. Começa a ser possível ultrapassar os esquemas simples, deixar de querer juntar todos os debates numa única "grande guerra", falar de coisas que nos desgostam com objectividade e sem raiva (ao mesmo tempo que a raiva justa não se amolece pela necessidade de compreender). Salazar, um dos pais da preguiça mental do nosso país, teria a sua definitiva vitória se não fossemos capazes de o discutir sem ódio. Não é que ele não mereça o ódio do país, mas merece mais, como ilustração de que a sua vitória não foi definitiva, a maturidade do país - e a lucidez, a única verdadeira desforra que podemos tirar dos males morais que nos legou.
O recente debate sobre a sua putativa condição de democrata-cristão mereceu, a nosso proveito, uma bela análise de Irene Pimentel, num post intitulado Salazar democrata-cristão?, dado à estampa, por assim dizer, no jugular.