4.9.10

para mal dos nossos pecados


O terramoto de Lisboa, em 1755, não abalou apenas a cidade. Abalou também o pensamento.
Os que acreditavam no significado moral das coisas da natureza encararam os acontecimentos como castigo divino pelos pecados dos lisboetas e outros que aqui partilhavam a grandeza, a riqueza e o brilho do melhor que havia no mundo.
O Marquês de Pombal não estava virado para essas ilusões: achava que preciso era deitar mãos à obra, "enterrar os mortos e alimentar os vivos", aproveitar a oportunidade para refazer a urbe.
Os ideólogos de serviço, que sempre estão à espreita, sopravam noutra direcção. Os boatos de que o terremoto se repetiria num aniversário do primeiro "castigo divino", e então de forma mais determinante, iam no sentido de confirmar a interpretação moral do facto natural. Os jesuítas foram considerados responsáveis pelo boato e pela tese - que o padre Malagrida corporizou, desafiando numa série de sermões o intento prático do Marquês primeiro-ministro. Pretendia Malagrida que a reconstrução era um assunto banal, que não devia distrair os portugueses do assunto realmente interessante, que era o arrependimento dos seus pecados. Em hora tão fatídica, construir e distribuir não eram as prioridades relevantes, mas antes jejuns e flagelos.
Malagrida deu-se mal com a teoria, tendo sido condenado e morto.
Mas na capital do reino continuam a montar acampamento muitos que têm o mesmo sentido das prioridades do padre Malagrida. Para mal dos nossos pecados.