9.7.09

sermão aos peixes por um que não é antónio nem é santo



Prezais os homens úteis à vossa alimentação. Os comestíveis. E só depois os indigestos e os venenosos, os que não vos deixam compor o sono e os que perguntam, tanto perguntando até já não saberdes a resposta que sempre estivera pronta. Dos homens comestíveis sabeis os termos indígenas para os nomear, por espécie e por indivíduo; os sons que emitem e a que horas do dia ou da noite; a arquitectura dos membros e os planos das próximas viagens. E tratais de os ter à mesa. Mas dos homens indigestos só vedes como o seu brilho incomoda, cegando os olhos de candura e perturbando a coerência seca e pobre da teoria dos jogos. E só sabeis das plantas e frutos com funções terapêuticas que desfazem os gestos desses homens se aplicados nas devidas proporções. Em que quantidades, em que misturas, e com que persistência de aplicação maior aproveitamento se retira desse exército de antídotos que enchem enciclopédias de saberes iniciados. Enciclopédias inteiras somente sobre a técnica e a arte de contrariar os homens indigestos. E dos venenosos só sabeis os planos que incessante e eternamente se fazem para domesticar esses homens. E em cada caso estudado, chegado o estádio comparativo, o homem comestível é sempre de maior dimensão, mais sadio e mais saboroso do que o indigesto. E o homem indigesto, feitas todas as contas, é se calhar mais ameaçador do que o homem venenoso. E quem diz homem, diz Homem.