Este governo já fez cinco revisões do Memorando de Entendimento entre Portugal e a Troika. Nunca chamou a oposição (nem mesmo o principal partido da oposição) para participar nessas revisões. Entretanto, a maioria insiste em que o PS devia respeitar o Memorando, porque o assinou - apesar de já não estarmos a falar do mesmo Memorando. Batota política, portanto.
Só que, além disso, há uma grande diferença entre a posição do PS e a posição da direita. O PS, enquanto esteve no governo, tudo tentou para evitar o "resgate", porque sabia que isso traria o que está à vista e porque tentou que a situação fosse resolvida de outro modo com a ajuda europeia. Não conseguiu. Sócrates teve de engolir a pastilha, quando para isso foi empurrado, já na situação periclitante de governo demissionário. Para que a história tivesse sido assim, contribuiu bastante o interesse eleitoral interno da chancelerina Merkel, mas também a crise política promovida por Passos Coelho, pressionado para assaltar o poder, com a ajuda inestimável do CDS, do PCP e do BE. Pode tudo isto parecer estranho e incongruente, mas, pelo menos do lado do PSD, é perfeitamente compreensível. Tudo o que se está a passar faz parte da agenda ideológica de Passos Coelho, que, com os seus aliados vários, está a aproveitar a oportunidade para fazer a sua contra-revolução.
Têm dúvidas? Não tenham. A seu tempo, isso foi explicado por quem de direito. Vejamos.
A 3 de Maio de 2011, Eduardo Catroga, representante do PSD nas negociações do "programa de ajustamento" entre Portugal e a Troika, afirmou que a negociação do programa de ajuda externa a Portugal «foi essencialmente influenciada» pelo PSD e resultou em medidas melhores e que iam mais fundo do que o chamado PEC IV. (fonte) (outra fonte)
Aliás, Catroga anunciava o resultado da sua influência no programa de ajustamento: tudo seria muito melhor do que com o PEC IV, Portugal ganhava uma "oportunidade para fazer as reformas que se impõem". (link para ouvir)
Na verdade, que esta maioria se esteja sempre a justificar com o anterior governo é uma mistificação. Esta maioria está a fazer aquilo que Passos Coelho quis ter a oportunidade de fazer, como, aliás, o próprio explicou. Vejamos.
No final de Janeiro deste ano da desgraça de 2012, Passos Coelho, presidente do PSD e já então primeiro-ministro, afirmou sem rebuços que o seu partido tem um "grau de identificação importante" com o programa acordado com a 'troika' e quer cumpri-lo porque acredita nele. Nas suas palavras: "(...) o programa eleitoral que nós apresentámos no ano passado e aquilo que é o nosso Programa do Governo não têm uma dissintonia muito grande com aquilo que veio a ser o memorando de entendimento celebrado entre Portugal, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional". Ainda segundo o presidente do PSD, "executar esse programa de entendimento não resulta assim de uma espécie de obrigação pesada que se cumpre apenas para se ter a noção de dever cumprido". (fonte) (outra fonte)
Tudo isto explica porque Passos e Gaspar nem querem ouvir falar em agir politicamente para mudar as condições do resgate. Ao ponto de o PM de Portugal ir a um Conselho Europeu e ficar calado acerca do que está acontecer por cá: Cimeira europeia: Portugal não consta entre os países que alertaram para o impacto social da crise. Parece que estamos a viver o sonho de Passos Coelho e ele não quer acordar.