20.2.12

do argumento ontológico ao argumento das mãos sujas.


Ontem, a propósito de Borges, andei por aí a conversar sobre o seu "argumento ornitológico".
Uma das coisas que muitas vezes se dizem acerca desse curto e fascinante texto de Borges é que ele é uma versão do argumento ontológico como prova conceptual da existência de Deus. Opino contra essa leitura naquele meu post anterior. De qualquer modo, isso dá-me oportunidade de acrescentar duas coisas.

Primeiro, uma notícia: Nelson Gomes, Professor Titular da Universidade de Brasília, dá, em Lisboa, uma conferência intitulada "O Argumento Ontológico segundo Gödel". É no próximo dia 15 de Março. Mais informação aqui.

Segundo: uma interessante paródia ao argumento ontológico, na sua formulação inicial por Anselmo de Aosta, também conhecido por Santo Anselmo, veio de outro frade, seu contemporâneo (século XI), Gaunilo de Marmoutiers. Eis como António Zilhão resume essa "reductio ad absurdum" do argumento ontológico como prova da existência de Deus:
1. Perdida é a ilha paradisíaca mais perfeita e agradável que qualquer outra.
2. A ideia de ilha paradisíaca mais perfeita e agradável que qualquer outra existe na nossa consciência.
3. Se a ilha real a que esta ideia corresponde não existisse, teria de faltar um predicado à ideia, a saber, o predicado da existência, pelo que então essa ideia já não seria a ideia da ilha paradisíaca mais perfeita e agradável que qualquer outra, uma vez que seria possível pensar-se noutra ilha que tivesse exactamente as mesmas propriedades de Perdida e ainda a propriedade da existência.
4. Logo, se a ideia de ilha paradisíaca mais perfeita e agradável que qualquer outra existe, então o objecto que lhe corresponde tem também que existir pois, caso contrário, a ideia em causa deixa de ser a ideia que é, o que constitui uma contradição.

E comenta António Zilhão (na excelente Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos): «A reformulação do argumento de Anselmo por Gaunilo mostra-nos as conclusões inaceitáveis que se podem extrair de tal estrutura argumentativa mas não diagnostica o vício subjacente ao mesmo. Um primeiro diagnóstico da natureza deste vício foi efectuado por Hume e tornado célebre por Kant. Consiste na consideração de que o termo «existir» não é adequadamente utilizado no argumento, uma vez que ele é aqui tratado como se referisse um predicado quando a existência não é um predicado.»

Para terminar, dei um uso literário a esta questão das provas da existência de Deus num texto muito pior do que o "Argumentum Ornithologicum" de Borges, aqui: o argumento das mãos sujas.