31.5.10

atribuição de significado


Quem diz que uma calculadora de bolso "faz aritmética" ou que "soma 347 com 786", também há-de dizer que estas criaturas estão a dançar. Estarão?

30.5.10

enigma


PS aprova apoio a Alegre com 10 votos contra
.

Na noite das próximas eleições presidenciais vou publicar um post com esta ilustração. Só ainda não sei exactamente a quem o vou dedicar.


LIFE, 20 de Novembro de 1970

o esplendor do teatro

20:02

O Teatro Valle-Inclán, na Praça de Lavapiés, num dos bairros mais multiculturais de Madrid, é um dos que integram o Centro Dramático Nacional. Foi aí que assisti à peça Tórtolas, crepúsculo y... telón, de Francisco Nieva, fechando assim a minha temporada teatral em Madrid. E que fecho!


Aperitivos. O dramaturgo é espanhol, está vivo, é membro da Academia, Prémio Príncipe das Astúrias para as Letras, Prémio Nacional de Literatura na modalidade Teatro, e foi também o encenador deste espectáculo. O texto foi escrito em 1953 e, na altura, não deu a Francisco Nieva o Prémio Lope de Vega (que já recebera antes) por uma pessoa da cúpula do fascismo franquista ter intercedido junto do júri a favor de um apaniguado do regime que tinha escrito um "drama político e reflexivo" sobre Mussolini.


A peça. O texto é do tipo de abordagem a que geralmente reajo mal: é teatro sobre o teatro. Normalmente prefiro que o teatro fale do mundo que o extravasa. Neste caso, o texto é uma homenagem às vanguardas, a Dali, a Bretón, a Buñuel - e o próprio autor explicita que procurou uma abordagem surrealista. A situação de partida é uma companhia de teatro fechada à força no próprio teatro onde deveria representar, supostamente por ter sido decretada uma quarentena por causa da propagação de um vírus desconhecido - embora essa desculpa jogue mal com o comportamento do porteiro do teatro que de facto funciona como carcereiro. Entretanto, o teatro está fisicamente ligado à vida: os camarotes dão directamente para as casas de várias famílias de espectadores, qual delas a mais estranha. E o próprio público presente (às vezes tomado como ausente) também entra na conversa. A variedade de "públicos" que assim interagem com os actores é grande. A confusão entre sonho e realidade está desde logo instalada com este dispositivo, mas essa mistura é aumentada com as diferentes personagens que fazem, precisamente... de actores.


A encenação. Toda a dimensão de sonho que já resulta do texto, mesmo que por vezes o sonho seja realmente um pesadelo, é poderosamente ampliada pela encenação. Os cenários foram concebidos pelo pintor José Hernández e são de uma magnificência barroca. Acabamos por ter uma espécie de mundo à moda de Tim Burton no que toca, por exemplo às roupas, mas o conjunto é esplendoroso: os jogos de cor e de luz, a decoração dos camarotes (os tais que estão em cena) e a criação de um pequeno mundo diferente para cada um deles, as "máquinas" gigantes que entram na acção, o movimento de cada um e do colectivo - resultam num conjunto pirotécnico de grande efeito. Tudo, ao mesmo tempo, com grande consistência: porque nada parece estar lá só para "colorir", mas tudo parece preencher uma parte necessária da ilusão. (O autor e encenador comentou, aliás, que só um teatro estatal se podia permitir montar um espectáculo destes, demasiado caro para os demais.)


Como se depreende da situação de partida, o texto permitiria múltiplas leituras, nem todas evidentes à primeira vista, nem todas fáceis de fazer ali no próprio momento enquanto estamos a tentar fruir. Essa é a magia do teatro: a vida corre na nossa presença, mas nós nunca a podemos agarrar inteira - e não se pode levar a companhia para casa para repetirmos quando bem entendermos. Desta vez havia aquilo a que chamamos um programa, incluindo o texto completo, e talvez um destes dias voltemos a ele. De momento, posso dizer que foi uma bela despedida teatral a Madrid.
(Na realidade, ainda tentei ir ver hoje Macbeth encenado por Declan Donnellan, mas não apanhei nem um pobre bilhetinho. A sorte que já tive aqui em ocasiões anteriores deixou-me, desta vez, pendurado.)


Deixo a ligação para o Videoblog "Tórtolas, crepúsculo y... telón", uma ferramenta muito interessante que aqui algumas companhias de teatro usam na sua relação com o público e que noutras coordenadas parece não ser usual...

Também deixo o clip de divulgação, outra modernice largamente ignorada noutras partes...


29.5.10

perdi a de Lisboa, ganhei a de Madrid

Princípio Potosí


O Museo e Centro de Arte Rainha Sofia, aqui em Madrid, está desde 12 de Maio e até 6 de Setembro com uma exposição pouco habitual: anticapitalista, antiglobalização, pró-direitos humanos, anti-religião na medida de ser anti-colonial, anti-poderes mafiosos na Rússia, anti-anti-anti. Título: PRINCIPIO POTOSÍ - Como podemos cantar el canto del Señor en tierra ajena?

A exposição é, antes de mais, uma espécie de anti-exposição-habitual-num-museu-sério: por exemplo, é servida por um exaustivo guia de mais de 30 páginas, o qual, ao sugerir vários percursos intrincados pelo espaço, e ao pedir idas e regressos sobre diversos momentos, auto-denuncia que está a boicotar o princípio da máquina-de-fazer-visitantes-como-quem-faz-salsichas: tanta volta induzida pelo guia prejudica a fluidez da visita e, consequente, a eficiência "chupa clientes" dos grandes números de que se orgulha o museu.

Depois, a exposição, usando extensivamente arte "colonial" da América Hispânica, quer mostrar que é tola a pretensão das vanguardas modernistas ocidentais: arte de vanguarda é a da América dos séculos XVI e XVII.

Ainda mais, usa esses materiais, especialmente os de origem sacra, para mostrar como a religião foi uma farda ideológica ao serviço da exploração colonial.



O título da exposição vem da cidade boliviana de Potosí, que tinha no século XVII mais habitantes do que Londres ou Paris, em cujos montes se situavam as maiores minas de prata de todo o mundo, cuja riqueza provocou o efeito secundário de aumentar a procura local de imagens (especialmente religiosas), sendo tais imagens em parte um meio de catequização dos índios e sendo essa catequização em larga medida associada ao controlo político desse alfobre de mão de obra. Há mesmo imagens que misturavam a representação de figuras religiosas com a representação dos locais das minas.


A tese da exposição também inclui a ideia de que o mesmo tipo de fenómenos existem hoje em dia noutras partes do mundo, como o Dubai, a China ou a Rússia. Daí a denúncia dos atropelos aos direitos humanos na China, incluindo os dos migrantes internos (fotos acima e abaixo).


O uso de uma linguagem de tipo marxista, sem retirar validade aos dados apresentados, parece ser mais um recurso retórico do que uma convicção programática. Tem, contudo, a vantagem de mostrar que certa informação transmitida resiste perfeitamente ao invólucro aparentemente muito marcado ideologicamente. A nudez da realidade não se perde sequer numa retórica fora de moda.

Este quadro reproduz a seguinte citação d' O Capital: The discovery of gold and silver in America, the extirpation, enslavement and entombment in mines of the aboriginal population, the beginning of the conquest and looting of the East Indies, the turning of Africa into a warren for the commercial hunting of black-skins, signaled the rosy dawn of the era of capitalist production.

Este projecto é co-produzido com a Casa da Cultura de Berlim, fazendo jus à resistente capacidade da cultura alemã para continuar engajada num discurso político-cultural de uma grande radicalidade, mesmo quando essa radicalidade é quase "perseguida" pelo mainstream académico bem-comportado na maior parte do mundo ocidental.

Uma forma interessante de entrar mais profundamente na problemática do "Princípio de Potosí" é ler o resumo da conferência “Principio Potosí. Sobre la relación entre producción de imágenes, hegemonía y violencia”, de Alice Creischer, Eduardo Schwartzberg e Max Hinderer na Universidad Internacional de Andalucía, que teve lugar a 1 e 2 de Abril de 2009.

28.5.10

isto é falar claro

21:51

E falar à esquerda. Porque a Europa pode servir para alguma coisa. Resta é saber para quê.

Daniel Cohn-Bendit, lembram-se?

Francisco Oneto postou no Ladrões de Bicicletas e eu lá o encontrei. Legendado em português.



oi, gente, 2+2= 4, né ?!



Alex Antas, Cloud formations


Sócrates mantém tudo o que disse ao parlamento, mas não desmente SMS de Vara, espanta-se o Público, parece que inspirado no Sol. Como explica o Miguel, a historieta não tem pés nem cabeça. Antes revela que há gente que não as pensa.

Os meus pais ensinaram-se a pensar antes de falar. Nunca acharam necessário acautelar-me contra escrever sem pensar. Também, nunca lhes passou pela cabeça que eu viesse a ser jornalista: nesse caso, teriam dedicado mais lições ao assunto e a várias derivações possíveis do mesmo.

mordem, os cordeiros mansos | teatro

17:20


A companhia Histrión Teatro, de Granada, estreou, em Outubro de 2009 no Teatro Central de Sevilla, e pode ver-se agora em Madrid, mais uma vez no âmbito do Festival de Otoño en Primavera, a peça "Los Corderos", ou, mais exactamente, "Del maravilloso mundo de los animales: Los corderos". A peça foi escrita e encenada por Daniel Veronese, um homem de teatro com uma carreira volumosa e saliente, Director do Festival Internacional de Teatro de Buenos Aires e membro fundador do mítico grupo Periférico de Objetos, e é uma paródia dura à sociedade moderna nos aspectos em que ela nos colhe na suposta intimidade.



Ponto de partida: Gómez aparece amarrado e vendado na casa de Berta, sua ex-mulher, à qual não vê há vinte anos. E não compreende a que vem isso. E também não vai ser fácil explicar-lho. E, contudo, …

Em Los Corderos, essa parte do “maravilhoso mundo dos animais”, os “reencontros familiares” podem ser falsos e afinal reproduzir “cá dentro” a ferocidade do mundo de “lá fora” e a degradação das relações humanas em campo social aberto. A violência da dissolução, o simulacro preenchido com desamor, indiferença e desconhecimento, quando não incesto e violência, não são mais fáceis do que o bairro cheio de olhos críticos disfarçados de vizinhos acolhedores.


Num muito pequeno espaço (2,5 metros quadrados, seria?), uma espécie de sala mal enjorcada, ali mesmo à nossa frente sem nenhum tipo de intervalo arquitectónico, actores como se fossem gente real, uma violência nada gratuita, uma companhia que já andou pelos clássicos e desde há algum tempo se dedica a entrar pelas frigideiras dentro. Foi isto. A pressão era aliviada, de vez em quando, com um traço de humor: que algum do público, significativamente, aproveitava logo. A malta ria-se porque estava mesmo com medo de sobrar para os espectadores... (parecia).

Lisboa chama-me

15:01

O artista é BLU, desta vez em Lisboa, na Fontes Pereira de Melo.
Tomada de telemóvel pelo Nuno. Obrigado, sr. dr. filho!

versões


Então, comecem por ouvir Canon & Gigue de Johann Pachelbel (1653-1706), aqui em instrumentos da época.



E, agora, vejam o que este senhor faz com a guitarra eléctrica.




à atenção de várias brigadas do reumático

memória


Na Puerta del Sol, em Madrid, ontem.






27.5.10

publicidades



A Galp Energia realizou hoje uma acção publicitária, com base em Madrid, que incluía o primeiro anúncio televisivo incorporando um directo. O directo, de pouco mais de meio minutos, que passou em várias cadeias de TV por volta das oito e meia da tarde, cobria o lançamento nos céus da capital espanhola, a partir da Praça do Oriente, de 56.000 balões de látex cor de laranja. Enquanto pré-jantava no Café do Oriente vi os preparativos; depois, a caminho do Teatro Español, na Praça de Santa Ana, vi os balões a sobrevoar a Porta do Sol.


o PS e as presidenciais


Casamentos artificiais.


LIFE, 20 de Novembro de 1970

cartas magnas para aqui e para acolá, também tenho uma a propor


Empresários criam carta magna para defender limites à despesa, à dívida e ao défice públicos a longo prazo
. (Público)

Concordo. Espero que criem, também, uma outra carta, pelo menos tão magna como esta, para eliminar a pobreza. Pelo menos, para começar, já que não se pode esperar tudo de uma carta tão magna, para eliminar a pobreza dos que são pobres apesar de trabalharem ou terem trabalhado quando podiam. Que lhes parece, senhores empresários, seria um belo empreendimento, não lhes parece?

Sweet Nothings, pelo londrino Young Vic

11:24

O texto original (Liebelei, de 1895) é um clássico do vienense Arthur Schnitzler (que também escreveu, na mesma atmosfera de Freud, o texto de onde Stanley Kubrick tirou o filme Eyes Wide Shut). A nova versão foi escrita por David Harrower. O encenador Luc Bondy levou-a à cena no londrino Young Vic, numa co-produção com o Wiener Festwochen (de que precisamente Bondy é director) e com o Ruhrfestspiele Recklinghausen.
Nós entramos no barco em Madrid, em mais uma estreia em Espanha devida ao Festival de Otoño en Primavera. Falamos de Sweet Nothings, uma história de amor e de temor, de adultério e complicações-ilusões.


A pergunta que me coloco é esta: como posso gostar de um espectáculo de teatro que, à primeira vista, é sobre a tolice de rapariguinhas pobretanas se meterem nos braços de ricos meninos? Vejamos.

O primeiro acto, que originalmente era para ser uma apresentação demasiado longa e fastidiosa da situação, torna-se nesta versão uma corrida moderna em/de cavalos nervosos, muito flirt, muita brincadeira, muito movimento, muito cheiro a sexo prometido embora não devido, um ambiente geral de sobreaquecimento. Esse é o conteúdo da bastante liberal festança que proporcionam o afinal ingénuo, embora atrevido, Fritz, e o seu cínico amigo Theo. O álcool e o desejo às vezes combinam bem como motor e, desta vez, esses ingredientes chegam perfeitamente para fazer rodopiar a romântica Christine e a sua mais calculista amiga Mitzi. Fritz e Christine emparceiram, mas não são suficientemente iluminados para perceber e assumir que carne é carne (e diverte) e espírito é espírito (e só complica as coisas). Theo e Mitzi também emparceiram, mas sem o peso dos projectos e de ideias elaboradas acerca dos pulinhos das hormonas: é agora, é já, é o que dá, depois acaba-se e vamos andando que a Terra não pára. A coisa complica-se com a entrada de um estranho, sombrio cavalheiro, que desafia Fritz para um duelo e começa a baralhar as coisas: o marido da mulher de vestido de veludo preto quer a desforra a tiro. Pistola nem sempre rima bem com sensualidade e a sombra cai sobre a festa e muda a cor do mundo (sim, aquilo é o mundo) e do segundo acto. Os ingénuos acabam sempre por ter pernas demasiado curtas para se aventurarem nas selvas caseiras – mesmo quando, ou especialmente se, afinal, até têm sentimentos.


O segundo acto começa, pois, sombrio, na casa dos subúrbios onde Christine vai enfrentar certas consequências das coisas que lhe vieram à rede sem serem peixe. Ele é a vizinha que encarna o puritanismo de subúrbio e lhe mostra em vão o caminho da redenção; ele é o pai viúvo, testemunha da falta da mãe; ele é a tia também recentemente falecida a aumentar o cinzento da meteorologia local. A vida nunca foi fácil para as costureirinhas que se metem nos lençóis dos filhos de família – e aqui não se abre excepção. O hedonismo do primeiro acto já vai muito longe: consegue-se aqui muito eficazmente esse aprofundamento do horizonte. Os que passaram da brincadeira à pretensão de que ela podia ser amor, Fritz e Christine, dão-se mal com isso. A situação, basicamente imaginada para a Viena da transição do século XIX para o século XX, parece um bocado esquemática para os nossos olhos do século XXI, quando andamos a ler nos jornais as notícias do homem chinês que foi condenado pela justiça do capitalismo vermelho por organizar uns divertimentos entre casais lá em casa. Mas, segundo alguns, uma das coisas que Schnitzler queria originalmente mostrar é que não é o sexo que traz complicações – mas o amor.


O que é incrível, para mim, é isto: como podemos embarcar numa historieta destas? Uma parte substancial da resposta é a interpretação, especialmente dos quatro jovens actores, um deles no seu primeiro papel profissional. Alcançam um nível de subtileza, no pequeno gesto, no furtivo olhar, na entoação, no silêncio ligeiramente deslocado do seu local natural para produzir um efeito completamente diferente, que realmente muda tudo. Começamos a pensar que não vamos poder acreditar em nada daquilo, acabamos a acreditar que aquilo ainda poderia afinal existir: se eles o fazem!

A outra parte substancial da resposta é a encenação, a cargo do suíço Luc Bondy: muito gráfica, entra-nos pelos sentidos dentro como uma certa BD à antiga ou uma certa linguagem de publicidade requintada. O colorido do prazer e o escuro das penas são visualmente plasmadas pela encenação no nosso sentir imediato. Das cores fortes da excitação em crescendo passa-se ao branco dos espaços de doença; do caos da festa passa-se ao espaço ordenado da hora de sofrer. Aprecio a transparência da encenação: nada de meter fumo entre nós e as personagens. Nada de impedir os actores de nos fazerem sentir implicados na embrulhada: o que eles fazem muito bem, como se simplesmente estivéssemos no zoológico a ver os animais naturais a viver. Apenas fechados na jaula da sala de teatro. Mas sem terem perdido nada do seu nervo selvagem. Fazendo-nos sentir que, se sairmos do nosso lugar de espectadores e dermos um passo em frente, vamos ser comidos. Ou, pelo menos, mastigados pela vida que eles estão a levar ali mesmo à nossa frente.

De facto, o teatro cria vida à nossa frente. A velha Viena à nossa frente no século XXI, afinal existe.

provérbios croatas


Merkel, "ingénua" e "autista", ouviu de Barroso aquilo que muitos só ousam pensar.
Acrescentava o Público: «Numa entrevista ao Frankfurter Allgemeine Zeitung publicada no início da semana, o presidente da Comissão Europeia notou que, "nos últimos anos, não se ouviram muitas vozes na política alemã a explicar à opinião pública até que ponto era importante para a Alemanha ter o euro". Barroso acusou, por outro lado, implicitamente Angela Merkel, chanceler alemã, de ter agravado a crise do euro por causa das suas hesitações sobre o apoio da eurolândia à Grécia. "O nosso processo de decisão durou tempo de mais, e os mercados viram demasiados sinais contraditórios."»

Confesso que, quando li as declarações de Barroso, pensei que desta vez ele tinha razão. Agora, a ajudar a uma melhor reflexão, atendendo ao papel de Barroso na peça toda, recebo uma mensagem de um amigo de Zagreb.

Segundo ele, há, e aplica-se, o seguinte provérbio croata: «A coruja criticou o rouxinol de ter um pescoço gordo».



M.S. Lourenço : filósofo

09:40

Estarei em caminho, não poderei comparecer. Com pena. É que M.S. Lourenço foi um filósofo de categoria mundial. Entre nós, parece ser só para iniciados. Tendo sido aluno durante dois anos nos seus  (na altura pouco concorridos) seminários de Mestrado, tive a oportunidade de compreender um pouco melhor como funcionava a sua raridade.
Para quem não conheça, sugiro um aperitivo: a entrevista, concedida a Miguel Tamen, que faz parte do volume A. M. Feijó & M. Tamen (eds.) A Teoria do programa. Uma homenagem a Maria de Lourdes Ferraz e a M. S. Lourenço, Lisboa, Programa em Teoria da Literatura, 2007, pp. 313-64, e que se pode ler em linha aqui.
A página de M.S. Lourenço, mesmo após o seu passamento a 1 de Agosto de 2009, continua disponível.


26.5.10

a austeridade é boa...


... porque faz crescer... o tórax.

(Cartoon de Marc S.)


presidenciais

12:27

Será verdade que, segundo afirma a TSF, "Sócrates diz que será ele a escolher candidato apoiado pelo PS"?
É que, a ser verdade, tenho pena pelo PS. E isto não tem nada a ver com a escolha que venha a ser feita. Tem, "apenas", a ver com a democracia interna dos partidos.
Não ouvi as declarações, o título pode estar errado. Mas, se Sócrates disse, ou quis dizer, aquilo, é uma má lição que está a dar. E temos o dever de não engolir más lições.

o polvo Sócrates...


... também tomou conta da OCDE. Irra, que já é demais, todos vendidos.

OCDE prevê crescimento de 1 por cento este ano em Portugal. (Público)

«A OCDE lançou hoje uma previsão de crescimento de um por cento da economia portuguesa este ano, acima dos 0,7 por cento previstos pelo Governo no PEC, bem como da previsão do Banco de Portugal e do FMI.»

(Ressalva: não julguem que eu julgo que isto é o nosso amanhã que canta.)



será a física a mãe de todas as ideologias?


«Seria, sem dúvida, uma forma esplêndida de aferir a confiança dos economistas nas suas próprias ideias exigir que as pusessem à prova à custa da própria carteira. Se isto fosse um critério de publicação, um cínico poderia esperar ver uma redução significativa da literatura sobre previsão de mercados. Em 1995, o cientista francês Jean-Pierre Aguilar teve a coragem rara de apostar o seu dinheiro na tese de que existe física na economia. Foi persuadido por um modelo de quedas de mercado, baseado na física, a comprar opções na conta de uma empresa de gestão de fundos que negociava com base nesses modelos. O modelo previa uma queda de obrigações do tesouro do governo japonês em Maio desse ano. Nunca aconteceu e Aguilar teve de se envolver numa contranegociação delicada para evitar perder a sua participação.»

Philip Ball, Massa Crítica, Gradiva, p. 285


25.5.10

a crise é tramada (capítulo 1 : começar por baixo)


O jornal i partiu em busca dos efeitos da crise no bolso dos portugueses. E concluiu o seguinte:
- há famílias que, em relação a 2009, vão pagar a mais, de IRS, cerca de 145 euros em 2010 e cerca de 265 euros em 2011;
- há famílias que vão pagar a mais cerca de 269 euros em 2010 e cerca de 415 euros em 2011;
- há famílias que vão pagar a mais cerca de 1423 euros em 2010 e cerca de 2323 euros em 2011.

Trágico, de facto. Estão a falar de famílias com rendimentos de, respectivamente, 5.787 euros mensais, 10.000 euros mensais, 20.000 euros mensais.

A esmagadora maioria dos portugueses está danada com estes números. Acham que o principal problema do país é que haja gente a pagar tanto de IRS.


o sacana do Sócrates...

BD por Espanha


Sou um ignorante da BD que interessa em Espanha. Cheguei recentemente a alguns títulos premiados em terra de nuestros hermanos. Dou hoje conta do álbum Arrugas (rugas) do valenciano Paco Roca (editora Astiberri, 2008), que foi Premio Nacional del Cómic 2008.


A obra é sobre a velhice abandonada em "instituições". Em particular sobre os que padecem de Alzheimer. Têm razão os que dizem que este álbum de banda desenhada prova o poder deste meio de expressão, ao mostrar o que só escrito não nos chegaria tão completo. O desenho é um tanto ingénuo e adocicado, a história é o que já se sabe, mas o tema faz o sucesso do trabalho. Para não dar as imagens mais cruas - e mais importantes -, ficamos pela sequência mais poética do conjunto. A ilustrar uma das características da doença focada nesta obra.

Clicar nas imagens permite vê-las melhor.




ao tempo que eu não ouvia estes


Lembrado pelo Paulo.

The Penguin Cafe Orchestra - Air à Danser [When in Rome]




24.5.10

à atenção de Nuno Crato, de Medina Carreira e do impagável João Duque

23:29

O MFerrer, do Homem ao Mar!, escreve-lhes uma cartinha muito gostosa.
Começa assim:
«Vossas Senhorias têm-se desdobrado em esclarecimentos e não poucas recriminações sobre as malfeitorias do Governo de Sócrates. Digamos que, em especial, em tudo. Ora eu, que bebo da água das fontes, ando inquieto. Já pensei até que seria melhor, como têm sugerido, ir ao banco e levantar a massa. Bastaria tê-la lá, não era? Mas não. Tenho que me contentar com as insónias os outros. Fui, foi tratar de ver onde poderia colocá-la, caso tivesse.»
E depois vem a explicação em detalhe.

fascista é a tua tia, pá

14:38

Um conjunto de escolas em Aveiro quer comemorar o Centenário da República fazendo as crianças participar numa reconstituição histórica das várias fases dos tais 100 anos. A uma das escolas cabe representar o período do Estado Novo. Um deputado do BE vem dizer que é revivalismo. Salvo uma clara demonstração de que a realização implica qualquer tipo de apoio às ideias do período histórico em causa, demonstração que cabe ao deputado acusador, teremos que dizer que estamos perante um acto tresloucado do deputado do BE. Era bom que parassem de poluir tudo o que se tenta fazer neste país, de conspurcar o trabalho de toda a gente que não se deixa atolar na rotina. A táctica de vampirizar tudo por motivos políticos é um nojo - não encontro outra palavra para o dizer.

idas de ir

Mais uma obra premiada de Rui Herbon: A Chave, Prémio Branquinho da Fonseca de Conto Fantástico, 2009. Editada pela Parceria A. M. Pereira.
Lançamento amanhã, 25 de Maio, pelas 18:30, na Livraria Bulhosa de Entrecampos.


a natureza do escorpião e as PPP

12:39

Portugal é o país da UE que mais recorreu a contratos de Parcerias Público-Privadas. (Público)

Agora toda a gente vê grandes defeitos nas PPP. Cabe lembrar que elas fizeram furor entre nós no âmbito de um endeusamento do privado em confronto com o público. Era preciso meter privados em tudo para aumentar a racionalidade de tudo, porque supostamente tudo em que o Estado se metia acabava mal, era mal gerido e aplicava mal os nossos dinheiros. Agora, que está claro que a harmonização entre o interesse público e o interesse privado não é automática, dá trabalho, custa dinheiro e implica riscos, fazem (alguns) de conta que isto é um problema gestionário. Não é. É político. É político, porque não podemos gastar o que não temos à pala de atirar a factura para a frente. É político, porque não é possível reduzir a complexidade do mundo a uma tabela Excel. Nem mesmo a um contrato de parceria, quando nessa parceria os interesses públicos são colocados no mesmo plano do lucro empresarial. (Isto não é condenar as empresas nem o lucro: é defender que essa realidade deve estar num plano diferente do interesse público.)
No caso do escorpião, a explicação estava na sua natureza. Mas em democracia, quando os dogmas da economia dominante passam por realidades, o problema não é da natureza. É da ideologia.

a fonte universal

11:18

Quem conhece as teorias de Pacheco Pereira - e eu só conheço de ver as figuras públicas que ele faz - compreende que ele chegou ao cume da montanha dos seus desejos.

(um quadrinho de Les Aventures de la Fin de L'Episode, de Trondheim & Le Gall)


Num assunto de Estado (que ele acha que é de Estado, embora seja apenas mais um episódio da estratégia pidesca contra Sócrates), o caso TVI segundo a última (em data) comissão parlamentar que se debruça sobre o não-caso, JPP já não quer ter apenas um dos títulos de que ele habitualmente já se entende detentor. Exemplos, seguem-se. O único lúcido perante a burrice de todos os outros. O melhor colector de papéis ao cimo da Terra (tirando os serviços de higiene urbana de New York). O mais brilhante analista, capaz de furar o próprio nevoeiro na entrada da barra. A JPP já não basta ter (ser possuidor de) um programa de TV só para elaborar o seu index pessoal das opiniões proibidas. Tudo isto agora é nada, face ao novo estatuto de JPP.

JPP é, agora, a fonte universal. Acabou-se a questão de saber como é que este jornalista soube deste segredo, como é que aquele político penetrou nos canhanhos guardados a sete chaves por juízes impolutos. JPP, agora, está na ímpar situação de que só ele viu, só ele sabe, só ele pode contar. Não importa se, de facto, mais alguém viu, sendo isso pormenores: ele é o único com estatuto para disfrutar desse miradouro. Quer dizer: JPP transformou-se na fonte universal acerca da relevância política das escutas. Ele, que até já sabia as conclusões da comissão de inquérito antes do deputado Semedo, o que é coisa de monta sendo certo que Semedo também já as sabia antes da Comissão dar um pio, acedeu ao estatuto epistemológico da omnisciência auto-produzida. Pacheco viu mais luz no cantinho de consulta às escutas do que viram os três pastorinhos em Fátima no tempo da revolução russa e do medo dos vermelhos. Pacheco encontrou, finalmente, o lugar apropriado para a sua visão da política: ele é a fonte universal. No ver dele, será a primeira experiência de autêntica democratização da comunicação social. Uma première mundial.

23.5.10

visto de Espanha

18:40
(um quadradinho de Megalex, por Jodorowsky & Beltran)


Há uns dias o primeiro-ministro de Portugal veio a Espanha. Entre outras coisas deu uma entrevista num programa televisivo matinal de análise política, no qual falou em espanhol. Nesse programa há sempre um painel de comentadores para escrutinar o que dizem os convidados. Desta vez, o facto do PM ter falado em espanhol foi elogiado logo pela entrevistadora e depois pelo painel de comentadores. Os comentadores elogiaram a entrevista, a compreensão dos problemas que o chefe do governo português mostrou, a dimensão europeia de Sócrates, o facto daquele discurso de um responsável português não ter qualquer sombra dos costumeiros complexos face aos espanhóis. Os comentadores elogiaram a convergência entre o governo e o maior partido da oposição num momento de aperto em Portugal, acharam que a imagem do "são preciso dois para dançar o tango" é uma boa maneira de explicar a situação, mostraram até alguma inveja por isso não se ter feito em Espanha. Em suma, acharam um êxito aquele momento televisivo do PM português.
Vejo, pelo que posso acompanhar em linha do que se diz em Portugal, que os do costume - em Portugal - acham horrível tudo o que aqui se achou excelente. Há até um enorme investimento em tentar ensinar espanhol a Sócrates e ao mundo, de um momento para o outro. Que pensar?
Penso, francamente, à primeira vista, em provincianismo.
Depois, pensando melhor, acho que é demasiado estruturado para ser espontâneo. O provincianismo não costuma ser tão diligente, usa ser mais passivo. Eu, que até detesto teorias da conspiração, começo a perceber a história das "centrais de intoxicação". Que, então sim, exploram todas as energias escondidas do provincianismo. Puxam pelo que de pior há em nós. E ainda falam, nas horas vagas, de racionalidade dos agentes...

21.5.10

Bab et Sane | perdidos na Vila Paraíso


Era o Zaire; era Mobutu; era, claro, a existência de quem o servisse, não apenas no topo, mas também na base. Esta é uma história assente em factos reais: dois guardas que permanecem nas propriedades do ditador após a sua queda, fechados num palácio sem saber que destino dar à vida, dois homens cuja circunstância é agora a luxuosa mansão Vila Paraíso, gente que por muito cruel que tenha tido oportunidade de ser não deixa de se sentir pequena face a um futuro imenso que já não vai ser nada do que estava programado. Aos que pensam que o luxo é libertação, esta viagem poderia ajudar: a compreender.




O espectáculo de teatro Bab et Sane, encenado por Jean-Yves Ruf, produzido pelo Théâtre Vidy, de Lausanne (Suíça), está agora no madrileno Teatro de la Abadia, no âmbito do Festival de Otoño en Primavera.

Não é nada o Zaire, não é nada Mobutu: é o mundo, como está sempre a acontecer. Já houve quem dissesse (Michel Caspary) que esta é uma comédia que se transforma em conto filosófico. Um conto onde eu e tu, no mesmo barco, afundamos juntos substituindo-nos ao mundo. Fazendo os papéis que andam pelo mundo a que de repente não pertencemos, por estarmos aqui tão sós. Na solidão do diálogo não há disfarce, não há segurança. Temos de desconfiar. De quem? De nós, se não há mais ninguém. Eu de ti, tu de mim, nós desconfiamos de nós. Fechados na mansão do paraíso.


Os dois actores, artistas de muitas artes por África e pela Europa, respiram muito fundo na estranheza da realidade. Jogam muito bem com os nossos estereótipos acerca da negritude, dando-nos pura metafísica de dentro do pulmão de um huit clos que queríamos muito que fosse apenas a angústia dos outros. Mas que nos apanha a rir de nós sem piedade nenhuma. Grandes actores, com a alma toda a suar para cima de nós. Maravilhosamente simples, com a aparente simplicidade da beleza. Muito muito bom. Foi ontem, estreia em Espanha.

Fica um pequeno vídeo de amostra do espectáculo, noutra das suas vidas.



uma boa história...

10:41

beleza científica


Aqui há tempos divulgámos, para gozo dos visitantes, o vídeo Nature by numbers, conscientes tanto da sua beleza - como do facto de ele não nos ser completamente transparente. Quer dizer, muita da matemática subjacente escapava-nos. Ora, porque a blogosfera tem destas coisas...

... graças ao blogue assim como assim, a quem desde já agradecemos (e cuja visita recomendamos), oferecemos agora o menu completo: o vídeo, de novo, e... e... este comentário erudito: The theory behind the movie / La Teoría tras la película (sim, em inglês e em espanhol). Pronto, aí estão os ingredientes para um fim de semana de cultura científica. Que aprovechen! - como dizem nuestros hermanos.



20.5.10

primeira promessa


Passos Coelho: um dia não haverá dinheiro para pagar aos funcionários públicos
. O Público acrescenta que Pedro Passos Coelho declarou preto no branco que “não estará longe o dia em que não haverá dinheiro para pagar aos funcionários” nos hospitais e nas universidades públicas.

Já se sabe que PPC tem uma forma estranha de escolher as palavras. Mas isso não deve evitar que reconheçamos quando ele apresenta a primeira medida do seu programa de governo.

agora choram pela esquerda do PS

19:16



José Castro Caldas pergunta, sob o título Derrotados e conformados:
«Não compreendo a complacência da esquerda do PS com o PEC reforçado. (...) Não havia alternativa?»
Caro Amigo, vai por aqui, pode ser que lá chegues:
«Seguramente não irá a esquerda a lado nenhum enquanto os interlocutores do PS forem aqueles que vivem sonhando com o momento mítico em que ultrapassarão os socialistas cá dentro e em que haverá lá fora uma Europa neosoviética ou anticapitalista e alterglobalizada.»
Não vale a pena, agora, fazeres cara de muito surpreendido. Não andou a "esquerda da esquerda" este tempo todo a empurrar o PS para o PSD, à espera de que isso alargasse o seu campo de manobra e permitisse a punção final que permitiria reduzir o PS à irrelevância eleitoral? Fizeram tanta força para isso, que esperam levará o PS a um beco onde ele se torne um pequeno partido e, agora que a estratégia deu este resultado, estão muito espantados? Temos os partidos que temos, alguns fogem, outros comparecem.

et pourtant ils existent


Les Anarchistes, via AyyapaExpress, com uma pergunta para este Fernando Cardoso: Eu até compreendo o apetite pelo anarquizar - mas ele não será, aqui e agora, confundível com o apetite pelo nihilismo?


enigma criptaritmético


Seja D = 5 nesta representação por letras de uma adição segundo as boas regras da aritmética.
Que algarismos representam as demais letras?


FotoPres '09 - Emilio Morenatti: Violência de género, Paquistão




ainda a racionalidade deste e daquele (agências de rating, Merkel, ...)

«Vemos que a razão é totalmente instrumental. Não nos pode dizer para onde vamos; quando muito pode indicar-nos como lá chegar. É uma arma mercenária que pode ser posta ao serviço de qualquer dos nossos objectivos, bons ou maus.»
Herbert Simon, A Razão nas Coisas Humanas, Gradiva, p. 16


«A Europa está nas mãos da Finança Internacional.»

(Cartoon de Marc S.)

Até nem concordo com Simon neste ponto, mas verifica-se que muitos concordam. Ou acatam.

inquisidores por procuração

19.5.10

homem a dias

o princípio da realidade


Paulo Pedroso, no Banco Corrido, fala dos problemas que temos
«enquanto nenhuma força da esquerda à esquerda do PS se converter à visão europeia do país e nela não emergir nenhum equivalente português de Joschka Fischer.»
E dá nomes aos bois:
«Seguramente não irá a esquerda a lado nenhum enquanto os interlocutores do PS forem aqueles que vivem sonhando com o momento mítico em que ultrapassarão os socialistas cá dentro e em que haverá lá fora uma Europa neosoviética ou anticapitalista e alterglobalizada.»
A ler tudo.

ilusões quotidianas | a percepção do movimento


Como é que nós, andando pela rua, sabemos que nos cruzamos com pessoas e não com robots? A questão parece-lhe tola? Então pense que, se nos cruzássemos com uma "coisa" parecida com uma pessoa, precisávamos de "pistas" para fazer a distinção. Não "abrimos" as pessoas para vermos se têm coração, estômago, pulmões. Nem, geralmente, as interrogamos para saber se têm ideias, sentimentos, memórias. Na verdade, em geral, pelo menos até um certo grau de aproximação, fiamo-nos nas aparências. Isso, no que parece ser o caso. E no hábito, no passado, num certo número de pressupostos.
Isso acontece com outras espécies animais. Como exemplifica este vídeo. Temos uma pomba a ver um vídeo. Nesse vídeo vê-se um pombo virtual a simular o comportamento de um pombo real a fazer a corte a uma pomba. A pomba, real, reage (responde) como se estivesse perante um pombo de carne e osso a fazer-lhe a corte. A percepção do movimento, fundamental nas espécies animais que têm de se desembaraçar em ambientes complexos e potencialmente ameaçadores, assenta no reconhecimento de certas pistas, que provavelmente se tornaram significativas por via evolutiva. É esse mecanismo que aqui é exemplificado.
Até que ponto poderemos nós, humanos, ser assim iludidos?




a moção de censura, ainda

16:38

Acerca do post a moção de censura, há opiniões respeitáveis que me contrapõem com a insistência na necessidade de unidade em tempos difíceis. Num país cujo parlamento escreve o que lhe apetece, quaisquer que sejam os factos (está à vista, com a comunicação social dócil a tecer loas ao governo todos os dias, quem a controla); num país em que "grandes empresários quase apelam ao saque das lojas (provavelmente da concorrência), há quem ache que uma moção de censura é que perturba o "clima de unidade". Opiniões. Como tal, respeitáveis, claro. Eu, por mim, prefiro sempre quando as instituições funcionam. Prefiro sempre que as fraquezas dos agentes políticos sejam vertidas em mecanismos institucionais sãos, como é uma moção de censura, mesmo que inconsequente - do que ver o saque às instituições que tem sido a "estratégia política" dominante.

candidatos presidenciais fazem propostas contra a crise



Conseguem ouvir?

a moção de censura

09:49

Parece que o PCP vai apresentar uma moção de censura ao governo. Parece que o BE vai apoiar. Pode concordar-se ou não com a censura. Pode concordar-se ou não com os pressupostos da moção. Eu, se bem os percebo (ou adivinho), não concordo. Já não acho curial que se critique a moção "por ela não vir bem em tempo de crise", ou por ela ser "inconsequente". Acho - espero - que a crise não tenha acabado com a democracia. Acho - espero - que a crise não inspire nenhuma quebra dos mecanismos institucionais, ou ataque aos mesmos (como outros quiseram). É quando o cinto aperta que mais se pede a cada um que tome posição - e não que se esconda. Cá estaremos, hoje e depois, para contrapor o que aprouver. Mas, por mor da democracia, por favor não usem argumentos salazaristas (do tipo "unidade nacional") para atacar a diferença de opinião.

18.5.10

desafio linguístico


Este desafio linguístico foi-me re-endereçado por correio electrónico por um Amigo que, nem sendo português, é um grande conhecedor da língua e da cultura portuguesas, aquém e além mar. O desafio é: o que falta neste texto? Que elemento corrente da escrita em português está ausente deste texto?

Sem nenhum tropeço, posso escrever o que quiser sem ele, pois rico é o português e fértil em recursos diversos, tudo permitindo, mesmo o que de início, e somente de início, se pode ter como impossível.
Pode-se dizer tudo, com sentido completo, como se isto fosse mero ovo de Colombo. Desde que se tente sem se pôr inibido, pode muito bem o leitor empreender este belo exercício, dentro do nosso fecundo e peregrino dizer português, puríssimo instrumento dos nossos melhores escritores e mestres do verso, instrumento que nos legou monumentos dignos de eterno e honroso reconhecimento.
Trechos difíceis se resolvem com sinónimos. Observe-se bem: é certo que, em se querendo, esgrime-se sem limites com este divertimento instrutivo.
Brinque-se mesmo com tudo. É um belíssimo desporto do intelecto, pois escrevemos o que quisermos, por exemplo, sem o "E" ou sem o "I" ou sem o "O" e, conforme meu exclusivo desejo, escolherei outro, discorrendo livremente, sem o "P", "R" ou "F", ou o que quiser escolher.
Podemos, em estilo corrente, repetir sempre um som ou mesmo escrever sem verbos. Com o concurso de termos escolhidos, isso pode ir longe, escrevendo-se todo um discurso, um conto ou um livro inteiro sobre o que o leitor melhor preferir.
Porém mesmo sem o uso pernóstico dos termos difíceis, muito e muito se prossegue do mesmo modo, discorrendo sobre o objecto escolhido, sem impedimentos.
Deploro sempre ver moços deste século inconscientemente esquecerem e oprimirem o nosso português, hoje culto e belo, querendo substituí-lo pelo inglês.
Por quê? Cultivemos o nosso polifónico e fecundo verbo, doce e melodioso, porém incisivo e forte, messe de luminosos estilos, voz de muitos povos, escrínio de belos versos e de imenso porte, ninho de cisnes e de condores.
Honremos o que é nosso, ó moços estudiosos, escritores e professores. Honremos o digníssimo modo de dizer que nos legou um povo humilde, porém viril e cheio de sentimentos estéticos, de heróis e de nobres descobridores de mundos novos.

Obrigado, Z.B. - e um grande abraço.

Respostas na caixa de comentários aqui no blogue. Confirmação da resposta dentro de dias, aqui no blogue. É claro que, querendo resolver o desafio, não é boa ideia ir primeiro à caixa de comentários...


a causa longínqua

Em 1517, o padre Bartolomé de las Casas teve muita pena dos índios que se extenuavam nos laboriosos infernos das minas de ouro das Antilhas e propôs ao imperador Carlos V a importação de negros, que se extenuaram nos laboriosos infernos das minas de ouro das Antilhas. A essa curiosa variação de um filantropo devemos factos infinitos: os blues de Handy, o êxito alcançado em Paris pelo pintor doutor oriental D. Pedro Figari, a boa prosa bravia do também oriental D. Vicente Rossi, o tamanho mitológico de Abraham Lincoln, os quinhentos mil mortos da Guerra da Secessão, os três mil e trezentos milhões gastos em pensões militares, a estátua do imaginário Falucho, a admissão do verbo linchar na décima terceira edição do Dicionário da Academia, o impetuoso filme Aleluya, a forte carga de baioneta conduzida por Soller à frente dos seus Pardos y Morenos no Cerrito, a graça da menina Fulana, o mulato que assassinou Martín Fierro, a deplorável rumba El Manisero, o napoleonismo corajoso e encarcerado de Toussant Louverture, a cruz e a serpente no Haiti, o sangue das cabras degoladas pela catana dos papaloi, a habanera mãe do tango, o candombe.
Além disso: a culpável e magnífica existência do atroz redentor Lazarus Morell.

Jorge Luis Borges, História Universal da Infâmia (1935)

(Primeira secção de “O atroz redentor Lazarus Morell”. 
Tradução portuguesa de José Bento, in Jorge Luis Borges, Obras Completas, Volume I (1923-1949),
Lisboa, Círculo de Leitores, 1998, pp. 295-355)

provérbio russo


A Ana Grichetchkine diz no Facebok que o seguinte é um provérbio russo: «O cuco elogia a cuca porque a cuca elogia o cuco.»
Se é russo, podia perfeitamente ser português.

eu sei qual é a peça que falta


Segundo o jornal i, um reformado especialista em puzzles, passou os últimos sete anos e meio a trabalhar na montagem de um particularmente grande (5000 peças) e, agora, não o pode completar: falta uma peça, que segundo a família pode ter ido para o lixo ou até ter sido engolida por algum dos cães dos filhos do senhor. «"Foi maravilhoso ver a imagem quase finalizada, mas quando Harris percebeu que faltava uma única peça para terminar, ficou completamente decepcionado", conta a nora ao “Telegraph”.» O fabricante do puzzle afirmou que, já que a caixa deixou de ser fabricada, nada poderá fazer por Harris.

Eu posso dizer qual é a peça que falta. Falta apenas um pouco de lógica. Vejamos. O que é resolver um puzzle? É determinar o posicionamento de todas as peças do mesmo. Se o senhor Harris já colocou 4999 das 5000 peças, já determinou a posição de todas as peças, incluindo da última peça. Não consegue ter a pintura completa, mas isso é outro problema. O puzzle (enigma) ele já resolveu. Alguém se importa de dizer isso ao senhor?

Merkel e os elefantes / a direita europeia no seu pior



Alemanha reabre discussão sobre fundo de protecção do euro.

Lê-se ainda no Público:
«A Alemanha lançou ontem a confusão entre os países da zona euro ao reabrir a discussão sobre o mega pacote de 750 mil milhões de euros aprovado na semana passada para ajudar os países em dificuldades financeiras e evitar a propagação da crise da dívida grega ao resto da eurolândia.»
«A França, que, pelo contrário, defende há muito a instituição de um mecanismo de gestão de crises na zona euro, opôs-se a esta exigência, defendendo que o fundo foi criado precisamente para garantir um activação rápida, de modo a evitar os atrasos que marcaram a definição de uma ajuda semelhante (de 110 mil milhões de euros) que foi concedida há duas semanas à Grécia. De acordo com a generalidade dos analistas, incluindo do FMI e da OCDE, estes atrasos contribuíram muito para o agravamento da crise.»

Neste ponto não vale esquecer a história: a direita europeia fez tanto ou mais do que a esquerda para criar e consolidar o espaço institucional a que hoje chamamos União Europeia. Muitos dos progressos sociais que a paz e uma certa concertação social tornaram possíveis na Europa, devem-se também a essa direita democrática e civilizada.
É por isso que faz pena ver até que ponto o principal rosto dessa direita europeia hoje, a senhora Merkel, troca tudo pelas preocupações eleitorais internas de curto prazo. Como se a Alemanha ignorasse quanto valem para ela os "parceiros incómodos" que ela julga incontinentes. Dizer que Merkel parece um elefante numa loja de cerâmica seria tratar mal o elefante.

Depois ainda falam da irracionalidade dos mercados...

17.5.10

[como lagarto al sol]

22:42


(20 Trajes para Europa, Instituto Cervantes, Madrid, Foto de Porfírio Silva)

Latitud

No quiero más que estar sobre tu cuerpo
como lagarto al sol los días de tristeza.

Se disuelve en el aire el llanto roto,
al pie de las estatuas
recupera la hiedra
y tu mano me busca
por la piel de tu vientre
donde duermo extendido.

El pensamiento melancólico
se tiende, cuerpo, a tus orillas,
bajo el temblor del párpado, el delgado
fluir de las arterias,
la duración nocturna del latido,
la luminosa latitud del vientre,
a tu costado, cuerpo, a tus orillas,
como animal que vuelve a sus orígenes.

José Angél Valente

(Poeta espanhol nascido em Orense, 1929-2000)

faça-se um inquérito ao inquérito

20:37

José Sócrates à comissão parlamentar de inquérito ao negócio PT/TVI:

«Como é patente, ao fim de semanas de inquirições esta Comissão não recolheu um único testemunho conhecedor dos factos, um único documento preparatório do negócio ou qualquer outro elemento de prova que contraditasse aquilo que afirmei ao Parlamento - pela razão simples de não ser possível provar o que não aconteceu.»

«Por consequência, é bem natural que nenhuma das 74 perguntas que agora me foi dirigida me confronte com qualquer elemento de prova que contrarie o que afirmei ao Parlamento ou que demonstre a existência de qualquer intervenção do Governo, directa ou indirecta, na operação da PT conducente à compra de parte da Media Capital. Sem dúvida, esse é o melhor sinal do que realmente esta Comissão apurou.»

Este era o inquérito desenhado para derrubar por via para-judicial um primeiro-ministro acabado de eleger pelos votos dos portugueses.

(clicar na foto para um valor acrescentado)

Texto integral aqui. (Ficheiro pdf pesado.)


salle des fêtes

20:18


Tu queres festa, tu queres excitação, queres empurrar as hormonas até elas ficarem aos saltinhos, tu queres a bíblia em livro aos quadradinhos, e o manifesto do partido comunista e o capital do carlos marques explicado às criancinhas, e exiges redacções sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo como t.p.c. dos gestores da PT, e queres vodka com qualquer elixir logo ao pequeno-almoço e drageias de aloé vera à ceia, tu queres festa que nunca acabe, mas esta dança está há que tempos sem intervalo. E então vais ter de te portar bem, vais ter de andar na linha, vais ter de conhecer as convenções dos novos tempos, o formal do informal, o preparado do casual, vais saltar mas saltas ao ritmo da música e a música é a da casa, pula agora, pára agora, pula, pula, pula, pára, pára, pára, ah, tu nunca tinhas ouvido falar da mobilização infinita, tu nunca tinhas sentido o cansaço de tanto descanso e o aborrecido de tanto divertimento, tu nunca tinhas tido tempo para a ressaca, muito menos para pensar na ressaca, pois, a mobilização infinita, é aquele tipo “do leste” que fala nisso, filósofo, o sacana, mas isto era para ser só música, ou não? Não?!

É isto, afinal, que temos em Salle dês Fêtes, espectáculo de teatro de Macha Makeïeff e Jérôme Deschamps, da Deschiens et Compagnie, agora no Festival de Otoño en Primavera (Teatros del Canal). Esta criação quer expor-nos à experiência da excitação contínua que necessariamente se esgota e tem de deixar-nos com uma sensação de vazio. O vazio civilizacional em palco. Deschamps, que até é sobrinho de Jacques Tati, aplica a receita Tati nessa demanda, com alguns momentos bem sucedidos de absurdo moderno. Mas, tal como em Tati, podemos apenas rir-nos, sem perceber mais nada, ou podemos num dado momento dar-nos conta de que nem tudo o que dá vontade de rir é alegre. Supostamente, chega sempre o momento de “cairmos em nós” e acusarmos o toque. Mas não é verdade: esse momento de verdade não chega sempre. Neste caso, não chegou. Já por isso ser difícil quando alguns paizinhos levam as criancinhas (neste caso, por ser uma rara possibilidade de lhes oferecer teatro em francês em Espanha) e querem convencê-las de que aquilo é só circo, à custa de palminhas e risota infantilóide. Já por o próprio espectáculo não dar nenhuma chave para passarmos da mobilização infinita para o reconhecimento de que esse é o estado de coisas idiota. Em resumo: vi a coisa como uma promessa falhada.


grandes europeus


Ângela, salvámos o euro!


(Cartoon de Marc S.)



ditados europeus


"A Europa é como a bicicleta: se não avança, cai."


(Cartoon de Marc S.)

16.5.10

a evolução da direita



Direita à la Maquiavel:
Não olhar a meios para atingir os fins.


Direita dos interesses:
Não olhar a fins para atingir meios.



MadridFoto 2010


Uma visita proveitosa.


A obra de que gostámos mais:

Nicola Costantino, Natureza Morta, 2008 (tríptico, fechado)

Nicola Costantino, Natureza Morta, 2008 (tríptico, aberto)

15.5.10

um mundo quase vazio (a Ana Paula e o Herbert Simon)


A Ana Paula Sena, do Catharsis, escreve:
«Supondo que tudo o que fazemos, e ainda mais, que toda a nossa acção, na medida em que possui uma intenção, tem efeitos na totalidade do Universo... »

O post que assim começa não tem necessariamente algo a ver com o que vou dizer a seguir. Ana Paula, não estou a fazer nenhum ataque enviesado ao que lá se escreve, mas queria só comentar aquela frase - porque ela contém um tópico muito repetido das perspectivas holistas.

Vou apoiar-me numa ideia de Herbert Simon, uma das mentes mais multifacetadas do século XX.

Herbert Simon (A Razão nas Coisas Humanas, 1983; 1989 para a edição na Gradiva), no quadro geral das suas teses acerca da racionalidade limitada (a racionalidade humana é fortemente cerceada pela situação e pelos poderes computacionais dos agentes), procura uma explicação para o facto de, mesmo assim, nos desenvencilharmos de forma razoavelmente eficiente da maioria das circunstâncias correntes da nossa vida. Porque é que, apesar de ignorarmos inúmeros aspectos que nos poderiam afectar em consequência das nossas acções, os nossos comportamentos ainda assim servem razoavelmente a nossa sobrevivência e os nossos propósitos? Pelo menos em parte isso deve-se ao facto de certas carências que são constantes nos organismos (como a respiração) estarem a cargo de mecanismos fisiológicos que dispensam a nossa atenção - bem como ao facto de dispormos de mecanismos (como as emoções) que garantem aos problemas mais prementes a prioridade na sua resolução.

Simon aponta, além disso, uma razão geral para que seja possível vivermos, com certo êxito, segundo este modelo de racionalidade limitada, que nos permite compartimentar a nossas decisões: "Vivemos no que se poderia chamar um mundo quase vazio - um mundo no qual há milhões de variáveis que em princípio poderiam afectar cada uma das outras, mas que não o fazem na maior parte das vezes". Esta concepção do "mundo quase vazio" é largamente coincidente com a ideia de Alfred North Whitehead, segundo o qual "a ampla independência causal de ocasiões contemporâneas é que preserva a margem de manobra no seio do Universo".

Qual é o interesse disto, de "um mundo quase vazio", "a ampla independência causal de ocasiões contemporâneas"?

Como eu vejo as coisas, o seguinte.

Num mundo determinista "denso" (por oposição a um "mundo quase vazio") deveria ser fácil para um agente "mudar o mundo": qualquer comportamento teria inúmeras consequências, identificáveis nas primeiras ondas de repercussão, com efeitos multiplicadores em inúmeras linhas causais atravessando o espaço e o tempo em todas as direcções. Na realidade, pelo contrário, inúmeros acontecimentos particulares são absorvidos pelo fluxo dos acontecimentos e não chegam a ter qualquer efeito, perdem-se, diluem-se nas interacções. Mudar o mundo é difícil e exige, em geral, doses massivas de insistência, mobilização, concertação, sustentação e direccionamento. Poucos acontecimentos particulares, ainda menos de um agente individual, chegam a estar na crista da onda e a tornar-se relevantes.

Ana Paula, não sei se o argumento colhe. Mas parece-me realista. E, o que é mais, para mim é um forte argumento anti-determinista (como expliquei neste texto).