29.5.10

Princípio Potosí


O Museo e Centro de Arte Rainha Sofia, aqui em Madrid, está desde 12 de Maio e até 6 de Setembro com uma exposição pouco habitual: anticapitalista, antiglobalização, pró-direitos humanos, anti-religião na medida de ser anti-colonial, anti-poderes mafiosos na Rússia, anti-anti-anti. Título: PRINCIPIO POTOSÍ - Como podemos cantar el canto del Señor en tierra ajena?

A exposição é, antes de mais, uma espécie de anti-exposição-habitual-num-museu-sério: por exemplo, é servida por um exaustivo guia de mais de 30 páginas, o qual, ao sugerir vários percursos intrincados pelo espaço, e ao pedir idas e regressos sobre diversos momentos, auto-denuncia que está a boicotar o princípio da máquina-de-fazer-visitantes-como-quem-faz-salsichas: tanta volta induzida pelo guia prejudica a fluidez da visita e, consequente, a eficiência "chupa clientes" dos grandes números de que se orgulha o museu.

Depois, a exposição, usando extensivamente arte "colonial" da América Hispânica, quer mostrar que é tola a pretensão das vanguardas modernistas ocidentais: arte de vanguarda é a da América dos séculos XVI e XVII.

Ainda mais, usa esses materiais, especialmente os de origem sacra, para mostrar como a religião foi uma farda ideológica ao serviço da exploração colonial.



O título da exposição vem da cidade boliviana de Potosí, que tinha no século XVII mais habitantes do que Londres ou Paris, em cujos montes se situavam as maiores minas de prata de todo o mundo, cuja riqueza provocou o efeito secundário de aumentar a procura local de imagens (especialmente religiosas), sendo tais imagens em parte um meio de catequização dos índios e sendo essa catequização em larga medida associada ao controlo político desse alfobre de mão de obra. Há mesmo imagens que misturavam a representação de figuras religiosas com a representação dos locais das minas.


A tese da exposição também inclui a ideia de que o mesmo tipo de fenómenos existem hoje em dia noutras partes do mundo, como o Dubai, a China ou a Rússia. Daí a denúncia dos atropelos aos direitos humanos na China, incluindo os dos migrantes internos (fotos acima e abaixo).


O uso de uma linguagem de tipo marxista, sem retirar validade aos dados apresentados, parece ser mais um recurso retórico do que uma convicção programática. Tem, contudo, a vantagem de mostrar que certa informação transmitida resiste perfeitamente ao invólucro aparentemente muito marcado ideologicamente. A nudez da realidade não se perde sequer numa retórica fora de moda.

Este quadro reproduz a seguinte citação d' O Capital: The discovery of gold and silver in America, the extirpation, enslavement and entombment in mines of the aboriginal population, the beginning of the conquest and looting of the East Indies, the turning of Africa into a warren for the commercial hunting of black-skins, signaled the rosy dawn of the era of capitalist production.

Este projecto é co-produzido com a Casa da Cultura de Berlim, fazendo jus à resistente capacidade da cultura alemã para continuar engajada num discurso político-cultural de uma grande radicalidade, mesmo quando essa radicalidade é quase "perseguida" pelo mainstream académico bem-comportado na maior parte do mundo ocidental.

Uma forma interessante de entrar mais profundamente na problemática do "Princípio de Potosí" é ler o resumo da conferência “Principio Potosí. Sobre la relación entre producción de imágenes, hegemonía y violencia”, de Alice Creischer, Eduardo Schwartzberg e Max Hinderer na Universidad Internacional de Andalucía, que teve lugar a 1 e 2 de Abril de 2009.