21.5.10

Bab et Sane | perdidos na Vila Paraíso


Era o Zaire; era Mobutu; era, claro, a existência de quem o servisse, não apenas no topo, mas também na base. Esta é uma história assente em factos reais: dois guardas que permanecem nas propriedades do ditador após a sua queda, fechados num palácio sem saber que destino dar à vida, dois homens cuja circunstância é agora a luxuosa mansão Vila Paraíso, gente que por muito cruel que tenha tido oportunidade de ser não deixa de se sentir pequena face a um futuro imenso que já não vai ser nada do que estava programado. Aos que pensam que o luxo é libertação, esta viagem poderia ajudar: a compreender.




O espectáculo de teatro Bab et Sane, encenado por Jean-Yves Ruf, produzido pelo Théâtre Vidy, de Lausanne (Suíça), está agora no madrileno Teatro de la Abadia, no âmbito do Festival de Otoño en Primavera.

Não é nada o Zaire, não é nada Mobutu: é o mundo, como está sempre a acontecer. Já houve quem dissesse (Michel Caspary) que esta é uma comédia que se transforma em conto filosófico. Um conto onde eu e tu, no mesmo barco, afundamos juntos substituindo-nos ao mundo. Fazendo os papéis que andam pelo mundo a que de repente não pertencemos, por estarmos aqui tão sós. Na solidão do diálogo não há disfarce, não há segurança. Temos de desconfiar. De quem? De nós, se não há mais ninguém. Eu de ti, tu de mim, nós desconfiamos de nós. Fechados na mansão do paraíso.


Os dois actores, artistas de muitas artes por África e pela Europa, respiram muito fundo na estranheza da realidade. Jogam muito bem com os nossos estereótipos acerca da negritude, dando-nos pura metafísica de dentro do pulmão de um huit clos que queríamos muito que fosse apenas a angústia dos outros. Mas que nos apanha a rir de nós sem piedade nenhuma. Grandes actores, com a alma toda a suar para cima de nós. Maravilhosamente simples, com a aparente simplicidade da beleza. Muito muito bom. Foi ontem, estreia em Espanha.

Fica um pequeno vídeo de amostra do espectáculo, noutra das suas vidas.