Durão Barroso, na sua entrevista de regresso à política nacional, tentou reescrever a história do BPN. Não só alimentou a velha teoria de "acudam, que é polícia! coitado do ladrão!", criticando (do ponto de vista da omnisciência e da omnipotência) o supervisor, com o intuito manifesto de desviar os olhos do infractor - como, engenho dos engenhos, comprou uma novela que ainda lhe há-de sair cara. É que se armou em sabichão (ele bem tinha avisado Constâncio!), mas um sabichão afinal cúmplice, na medida em que não se notou nenhuma consequência desse "conhecimento" no seu companheirismo político-partidário com a malta que continuava a beneficiar do esquema. Claro que o monstro tem sempre várias cabeças (ou, pelo menos, várias máscaras), pelo que o queixume dos banqueiros contra o Banco de Portugal, por ser demasiado "metediço", não faz cócegas nenhumas aos amigos políticos desses mesmos banqueiros, que fazem de conta que queriam melhor supervisão. É como se o tabuleiro de xadrez tivesse um exército para um dos lados e dois exércitos para o outro lado, sendo que este lado pode levar os seus exércitos por caminhos diferentes para convergir no ataque ao outro lado.
Este é um dos assuntos-algodão da política nacional, na medida em que serve bem para fazer o mapa de alguns dos nossos problemas comuns, como sejam, a demagogia crónica de muitos políticos, a capacidade para refazer a história com retrovisor misturando factos com presunções, ou a hipocrisia da direita dos interesses que a torna capaz de vestir o fato do dia sem qualquer problema de consistência. É tudo uma questão de fumo - e o fumo é a arma política preferida de alguns.
Poderíamos ir, peça por peça, percorrer a lista dos artistas. Prefiro concentrar-me num caso. Um caso de estudo, digamos assim. E sublinhar apenas um episódio. O caso de estudo é Nuno Melo. O episódio, vou deixá-lo apenas com recortes. Dois recortes.
Primeiro recorte, escreve João Galamba no Facebook:
No debate da passada quinta-feira, na TVI24, disse a Nuno Melo que, tirando a sua perseguição a Vítor Constâncio, não se lhe conhecia nenhuma intervenção - nem antes nem depois do BPN - sobre o reforço/alteração dos poderes de supervisão bancária. Melo disse que bastava ter falado com Elisa Ferreira, eurodeputada do PS, para saber que essa acusação era falsa. Pois bem, Elisa Ferreira escreve hoje um texto em que desmente Melo. Independentemente deste texto, mesmo que Melo tivesse dito a verdade, as suas emendas no relatório da eurodeputada Elisa Ferreira não têm nada a ver com os poderes/instrumentos de supervisão, mas sim com a protecção dada a depositantes no caso de "bail-in". Ou seja, não só Melo mentiu (coisa que fez abundantemente nesse debate), como, mesmo que não tivesse mentido, a sua resposta teria sido ao lado da crítica que lhe fiz, e que se mantém inteiramente válida: tirando a perseguição demagógica, populista e fraudulenta a Vitor Constancio, Nuno Melo não tem nem nunca teve qualquer interesse na matéria da supervisão bancária.
Segundo recorte, Elisa Ferreira no Facebook:
Nuno Melo num debate com João Galamba na TVI24 no passado dia 3 de Abril (mais uma vez sobre as alegadas culpas do Supervisor no caso de polícia que foi o BPN), depois de ter esgotado os argumentos habituais, aventurou-se a desvendar que “as únicas propostas apresentadas em matéria de resolução bancária para se protegerem os depósitos dos clientes dos bancos são minhas”, deixando implícito que, se alguma coisa lá figura nesse sentido, a ele se deve. Tenho de o desmentir: Nuno Melo fez de facto algumas emendas no sentido de proteger todos os depósitos bancários em processos de resolução; só que todas elas caíram, chumbadas sem apelo nem agravo pelo seu próprio grupo político (PPE); a proteção aos depósitos que hoje existe no texto legislativo foi a que os membros socialistas conseguiram fazer passar! Convém não abusar da imaginação quando se fala para fins internos...
Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. Quem não tiver, que se aninhe nos equívocos acerca da omnisciência e omnipotência dos supervisores. Desses equívocos vivem aqueles que sempre bradam contra os abusos dos reguladores e dos supevisores, "contra o Estado sempre a incomodar o privado", mas que, quando o esturro se torna óbvio, se tornam (num espelho invertido) grandes denunciantes das fraquezas do polícia.