24.4.14

por favor, não queiram convencer-me que é hoje que vão fazer a revolução.



Kostis Velonis, Life without Tragedy, 2011
(fotografado na exposição No country for young men, BOZAR, Bruxelas)


Agora, de repente, anda por aí muita gente a fazer de conta que vai praticar a revolução hoje à noite ou amanhã de manhã.

Andaram quarenta anos a votar em quem se vê, a fazer pela vidinha (porque é preciso comprar vestidos novos e calçado novo e camisas novas e actualizar muito os computadores e os telemóveis); andaram quarenta anos a detestar as pessoas que faziam diferente, a ignorar olimpicamente os associativos, os cooperativistas, os malucos da autogestão, a dizer mal dos sindicatos e a desculpar tudo aos patrões e à gente séria que trabalha e não quer perder tempo com políticas; andaram quarenta anos a dizer mal das greves, que causam transtornos às pessoas, sem pensar que também são pessoas os que fazem greves; andaram quarenta anos a desconfiar da cultura, e do dinheiro que se gasta com a cultura, e com os preguiçosos que pensam em cultura; andaram quarenta anos a pensar que a democracia é uma coisa de renovar os votos de submissão de tanto em tanto tempo e que fora disso a política é para os políticos; andaram quarenta anos a deixar que alguém faça ou a preferir que ninguém faça grande coisa; quarenta anos a fazer o jogo da roupa suja dos pequenos escândalos, sem notar que esse fumo encobre as verdadeiras desigualdades; quarenta anos a tratar como causas menores a igualdade de género (de preferência desdenhando do "feminismo"), os direitos das minorias, os estrangeiros explorados, os que de algum modo são diferentes, como se só importasse a sobrevivência do dia presente - e agora querem fazer a revolução numa passeata.

Caramba, a revolução é voltar a ter um dia de festa e a seguir voltar contente para casa com mais três euros por mês no salário mínimo? A revolução é viver desconfiado de qualquer um que tenha uma bicicleta, se eu ando a pé, como se o ideal fosse sermos todos pobres? A revolução é clamar contra os miseráveis, que são tratados como ladrões porque recebem do Estado meia dúzia de tostões a título de uma qualquer prestação? A revolução é esta inveja generalizada, em que somos pasto para os que governam dividindo, "para reinar"?

Façam-me um favor, aqueles que sempre esperaram que os de cima ganhassem juízo, em vez de tratarem de meter as mãos na massa, façam-me o favor de não pensarem que vão fazer a revolução num dia de sol com nuvens de manhã, entre os alfarrabistas da rua anchieta e a fnac do chiado, a dizer piadas ao coelho que chegou lá com os votos de quem, dos tártaros da Crimeia?

Estou grato ao 25 de Abril, estou triste com este país 40 anos depois - mas não foram os deuses que nos tramaram. Quem nos tramou foi o "pragmatismo" reinante, a gente bem ordenada e que não quer perder tempo com políticas, que só se dá conta do mundo quando o estrume lhe chega à porta de casa, mesmo que esse estrume já tivesse atolado muita gente há muito tempo.

Quem nos tramou foi a indiferença. E a indiferença não se resolve com emoções de um dia. Ou de uma semana que seja.

Demitimo-nos e agora estamos tristes.
Temos direito a estar tristes.
Não façamos é de conta que vamos resolver o problema numa noitada de quinta para sexta-feira, numa comemoração qualquer.

Não vamos fazer revolução nenhuma. Vamos comemorar uma, já não é mau. Mas é apenas isso.