17.7.12

os professores.


Nas escolas e nas ruas, professores admitem radicalizar os protestos.

Muito haveria a dizer sobre o comportamento de certos agentes políticos e sindicais na "gestão" dos interesses dos professores. Mas não vamos por aí; o que quero hoje dizer não assenta em visões particulares de problemas específicos, é algo bastante mais geral.

Se tivesse que identificar aquela que emerge como a principal característica social das democracias ocidentais nestas décadas mais recentes não teria dúvidas em dar-lhe este nome: precarização. Somos todos precários, o sistema vive de nos tornar todos precários, é a precariedade que nos controla e neutraliza como cidadãos.

Pode dizer-se que antes da precariedade veio a atomização. Convenceram-nos de que a máxima liberdade é a máxima individualidade (um certo anarquismo ingénuo perpassa hoje pelo discurso popular mais à direita e mais à esquerda no sistema de coordenadas tradicionais) e isso tornou-nos cúmplices contentes da destruição das pertenças. Todas as pertenças são ridicularizadas num ou noutro momento, em nome do "eu quero" do indivíduo que se pensa como átomo de uma sociedade reduzida a colecção de partículas.

Mas a atomização seria (em abstracto) compatível com um leque de direitos que fossem reconhecidos a cada indivíduo. O problema é que isto é puramente teórico, porque os direitos não caem do céu e não se vê por que carga de água átomos isolados alcançariam direitos, quando historicamente isso só acontece quando grupos humanos em movimento são capazes de os conquistar. E a realidade veio mostrar que a atomização não era o fim da história: ela criou a relação de forças que tornou toda a gente vítima possível da precarização. E é isso que temos hoje.

Precarização é estar sempre no olho do furacão. Tenho de estar sempre alerta: não para cuidar dos meus planos de vida, dos meus filhos, dos meus pais, do meu bairro, dos meus colegas, da minha terra, mas para satisfazer todos os desejos de quem paga, muito ou pouco, pelo meu trabalho. Eu já não vendo apenas a minha força de trabalho, vendo a minha dedicação total, todo o meu tempo, toda a escala dos meus interesses. A condição de proletário (com quatro anos de escolaridade ou com doutoramento) toma conta de toda a minha vida - e, cereja em cima do bolo, tenho de ser dedicado, em todo o tempo e em toda a parte, acordado ou a dormir. Como se consegue isso? Tornando curtos todos os ciclos: sou escrutinado cada ano, cada mês, cada dia, cada hora. Não posso ter projectos a quatro anos, porque não sou livre de gerir a minha vida a quatro anos. Só o patrão (aliás, só alguns patrões) podem pensar a quatro anos, todos os outros podem morrer amanhã. E em ciclos destes, de um dia para o outro, a conformidade é o melhor seguro.

Precarização é estar sempre na iminência. A iminência do desequilíbrio, a eminência da ruptura, a eminência do fim de um mundo. Estar sempre na presença da iminência é o roubo do tempo: não há margem de manobra para ninguém, tudo pode acontecer instantaneamente. Os humanos criaram instituições para gerir a sua pertença ao tempo: nascemos e crescemos nos edifícios (institucionais) que os outros criaram, mais tarde podemos dar o nosso contributo para mudar esses edifícios (mas não se muda tudo ao mesmo tempo se queremos continuar a habitar), deixamos aos seguintes uma base onde eles possam continuar a obra, que é humana ao máximo (essa arte de continuar). As instituições permitem que não cheguemos de cada vez ao mundo despidos como se fossemos os primeiros, que nos apoiemos no que outros conquistaram antes de nós. Ora, a precarização é a negação da instituição como forma humana de viver: como estamos sempre ameaçados de que tudo pode ruir, não há maneira de confiar numa certa continuidade que nos poderia dar algum conforto, o que nos dizem é que não podemos deixar nada. Só podemos entregar tudo, incondicionalmente: e para isso temos de estar completamente desprotegidos.

A nossa desprotecção é o seguro de vida de uma tirania mais ou menos impessoal que destrói a nossa participação cidadã. Um precário tem de pensar na sobrevivência, não pode pensar na vivência. Um precário está sempre sob chantagem, se não está a ser triturado está a caminho de ser triturado. Essa é a condição de suspensão de todos os direitos, o imposto revolucionário que o capitalismo actual nos cobra de armas na mão. A precarização é a selva absoluta, a redução das instituições (essa marca das sociedades humanas) à inoperância ou à mera componente repressiva, a transformação da pessoa numa peça descartável. Mais úteis do que as peças descartáveis, que não têm consciência de serem descartáveis, são as pessoas descartáveis, porque têm consciência de o serem. A precarização, espalhando-se como mancha de óleo, é a negação da humanidade e a redução das pessoas à condição de animais à solta entre outros animais numa selva pós-contemporânea.