Gabriel Alonso, O rapto de Europa, 2009
A "crise" veio atrapalhar duas concepções de Europa.
A esquerda soberanista (que está sempre a reclamar contra o imperialismo de Bruxelas) acordou para a realidade de que "a Europa tem de fazer qualquer coisa". Perceberam, finalmente, que sozinhos neste mundo estamos tramados. É bom que tenham percebido isso: podem deixar de lado o disco riscado do nacionalismo míope que usa(va)m para ganhar uns votos à família dos sociais-democratas, socialistas e trabalhistas. Podemos, em consequência, começar a pensar ao nível do continente (mesmo que sejamos, apenas, uma região periférica da Ásia).
Os federalistas, pelo contrário, podem ser vítimas do seu sucesso. Explico-me. Parece pouco provável que a Europa se safe desta tormenta sem acrescentar novos níveis de integração política ao que existia antes. Governo económico da Europa, a sério. Só que, ainda por cima quando chegamos lá com os "elos fracos" mais fracos do que nunca, é óbvio que quem paga vai esclarecer quem manda. Isto é: finalmente, a Alemanha vai compreender que não lhe interessa deixar cair os mais fracos e vai, com os outros contribuintes líquidos, aceitar pagar o preço de não sermos comidos pelos "mercados" - mas vai reforçar a sua capacidade para determinar o sentido da governação económica. Manda quem paga, paga quem manda. Vamos, para fazer isso, ficar mais parecidos com um Estado federal. Os federalistas (entre os quais me incluo) vão ter (em certa medida) o que andam a pedir há muitos anos - mas vão pagar a conta política mais depressa do que se poderia imaginar, porque será evidente que, partindo de onde partimos, uma Europa mais coesa será uma Europa mais centralizada. Assim, a partilha de soberania será mais desequilibrada do que poderia ter sido se tudo isto tivesse sido feito antes de estarmos com a corda na garganta.
E estamos fartos de saber que as cordas na garganta são argumentos tramados.