24.1.11

presidenciais, danos colaterais à esquerda (os casos do PCP e do BE)

Bo Bartlett, America, 2007

Podem tecer-se as mais variadas considerações acerca do desempenho de Francisco Lopes como candidato presidencial, o conteúdo e o estilo da campanha, a instrumentalidade das presidenciais para a manobra interna partidária e muitas outras coisas de que podemos ou não gostar. Não obstante, não foi certamente por culpa do PCP que a esquerda perdeu esta presidencial. Nem esta nem nenhuma outra. O PCP sempre soube, neste tipo de eleições, preservar a sua reserva de identidade sem alienar as condições de convergência à esquerda quando ela se torne possível e útil. Com maior ou menor brilho, foi também o que aconteceu desta vez.
Já o mesmo não se pode dizer do BE. O processo que terminou com a reeleição do pior PR desta democracia constitucional, incluindo a elevada percentagem de voto branco e outras formas de rejeição explícita do "sistema", é o ponto cimeiro da estratégia de condicionamento que Louçã tem conduzido como forma de relacionamento à esquerda.
A vertente anti-PCP dessa estratégia não é desprezível: se Cunhal, para apelar ao voto em Soares, teve de pedir aos comunistas para taparem a cara no boletim de voto com uma mão e marcarem a cruz com a outra, imagine-se o que Jerónimo não teria de lhes pedir se tivessem de votar em Alegre. É que Alegre será uma das poucas pessoas que terá deixado ao PCP do PREC uma recordação mais amarga do que o próprio Soares. Mas claro que, para a estratégia de afirmação de Louçã, fazia todo o jeito humilhar o PCP ao voto obrigado no "seu" candidato.
A vertente anti-PS da mesma estratégia foi ainda mais evidente. Marcando Alegre como candidato do Bloco, Louçã deixava duas alternativas ao PS: arranjar outro candidato e arriscarem-se os socialistas a ficar com menos votos nas presidenciais do que o BE; juntar PS e BE na mesma candidatura presidencial, ao mesmo tempo que em todos os outros sectores do tabuleiro se combatiam ferozmente. Entre os dois males, a direcção do PS escolheu o que lhe pareceu menor, evitando ser derrotado por um entendimento cordial entre o BE e um sector do eleitorado socialista: decidiu embarcar na mesma nau que o escorpião, cuja natureza tem muita força nos momentos decisivos. O PS, a meu ver (e como já aqui escrevi há tempos), escolheu mal: devia ter ido à luta, com um candidato que representasse o melhor do seu impulso modernizador - mas não quis ou não pôde ir por aí.
O resultado da magnífica estratégia de Louçã é bem claro para a esquerda: a campanha de Alegre, mais do que a sua magra votação, representou um grande passo atrás em qualquer ideia de entendimento do PS com a esquerda da esquerda. A evidência de que o herói dessa convergência não colocou em cima da mesa nenhuma ideia nova concreta que fosse inspiradora para as esquerdas; o ziguezaguear de Alegre entre umas bicadas ao governo e uns piscares de olho às oposições; a incapacidade para sair das generalidades; a debilidade conceptual que teve o seu zénite quando Alegre aceitou calado que Cavaco, sentado à sua frente, amalgamasse Estado Social com caridade - tudo isso tornou hoje praticamente impossível defender um esforço de convergência à esquerda. Mesmo para quem, como eu, sempre pensou para esse lado.
Sempre estou para ver se ainda há, no Bloco, força política para questionar esta estratégia. Que há lá quem queira fazer do BE um grupelho radical, acredito que sim. Que haja lá quem queira fazer do BE uma força capaz de induzir mudanças sérias na política portuguesa, por via da capacidade de usar o seu peso parlamentar e social para reorientar políticas, deixando de lado as alianças com a direita (como no caso das escolas privadas), ainda estou para ver.
Entretanto, resta-nos esperar que Sócrates continue a fazer o trabalho de evitar que Portugal seja entregue às receitas do FMI, enquanto Passos Coelho é por isso que suspira - e a esquerda da esquerda, para esse peditório, só dá retórica. Vá lá, se juntarmos também as corporações: retórica e providências cautelares que descredibilizem o esforço de Portugal nos mercados financeiros internacionais (que, por muito diabólicos que sejam, de momento são quem tem o cacau de que precisamos).