O que é mentir?
Bastará não dizer a verdade para estar a mentir?
A ocultação pode ser pelo silêncio, pela passiva, escapando nesse caso à classificação como mentira?
Será preciso ter conhecimento de que não se está a dizer a verdade para se poder dizer que há mentira? Nesse caso, um ignorante não mente. Mas não é assim tão simples, já que um ignorante pode ser sabedor de que não tem base para dizer o que está a dizer, mesmo sem conhecer a verdade, e nesse caso talvez se possa dizer que está a mentir. Contudo, medir o tamanho da ignorância pode ser necessário para ajuizar do tamanho da mentira.
Pode ser que só estejamos a mentir se estivermos a faltar à verdade a quem tenha direito a ela. O meu patrão não tem direito a saber da minha vida amorosa, pelo que, se ele pergunta, eu tenho direito a esquivar-me à intromissão pela falta à verdade - mas isso não é mentira, porque estou a negar a verdade a quem não tem direito a ela.
Na apreciação do que é uma mentira pode, portanto, ter de incluir-se um conjunto de considerações mais vastas do que a "mera" adequação entre a realidade e a palavra.
Se um magistrado da república portuguesa diz que nunca teve acções do BPN, quando teve acções da SLN, detentora do BPN, está substancialmente a mentir, já que não é acreditável que seja tão ignorante que não conheça a relação entre as duas entidades. E está a mentir por estar a faltar à verdade a quem tem direito a essa verdade, porque um magistrado da república portuguesa deve essa verdade aos cidadãos.
Se um magistrado da república portuguesa faz ficção sobre a forma como o governo britânico lidou com os problemas dos seus bancos, com o objectivo explícito de enlamear o governo português na comparação, está a mentir no aspecto da adequação da palavra à realidade. Também está a mentir no aspecto da sua responsabilidade perante os cidadãos quando se pronuncia sobre assuntos de interesse público. Poderá ser absolvido de mais uma mentira pelo aspecto conhecimento do caso - quer dizer, será que não estava a mentir simplesmente por estar a falar do que não sabia? Não, nem por aí pode ser absolvido, já que tinha o dever de não falar sem saber. E tinha o dever de saber.
A ética e a política não têm de andar desavindas. Andam desavindas quando os moralistas de serviço não passam de túmulos caiados de branco.