A Exortação Apostólica "A Alegria do Evangelho", do Papa Francisco, vem relançar um debate importante. Para católicos e não-católicos, para crentes e não-crentes. Até já há gente do mundo da finança que se dá ao trabalho de tentar responder ao Papa. Algumas esquerdas, designadamente aquela esquerda a que pertenço, também vê este documento com interesse. Aspectos como a rejeição da tentativa de reduzir a justiça social ao assistencialismo darão muito que pensar - e são bem-vindos. São bem-vindos, particularmente em tempos em que alguns sectores do catolicismo conservador ganhavam um certo fôlego para reivindicarem a sua visão como a verdade da sua religião, contra os "maus" que olhavam para o problema com outros olhos. Refrescante, pois.
Como saberão os que me lêem, este é um assunto que me interessa. De qualquer modo, julgo que é precipitado tentar alinhar leituras estritamente políticas com as palavras do Papa Francisco. Não é que as suas palavras não tenham sentido político, na acepção mais ampla (que é a mais nobre). Elas têm sentido político. E é importante este debate, para que os fariseus aninhados nas hierarquias das igrejas não consigam (tão) facilmente anestesiar as palavras do Papa para as acomodar à sua cómoda instalação no habitual. Contudo, do lado da Igreja Católica, e deste Papa em particular, não se pode reduzir tudo à doutrina; é preciso contar com a dimensão pastoral: como fazer para andar no meio das gentes. E, aí, por muito clara que seja a rejeição do assistencialismo, há uma valorização da dimensão pessoal, da empatia entre pessoa e pessoa, que nunca será abandonada. Direi até, para fazer pensar, que a rejeição do assistencialismo não implica o abandono da caridade, embora implique a rejeição da caridadezinha.
Para este ponto, vale a pena pensar no que poderão significar, se forem reais, os rumores de que o Papa Francisco anda a praticar, às escondidas, uma espécie de convívio fraterno com os sem-abrigo da sua cidade. Pela calada da noite. Não com fanfarras e TV, como fazem alguns praticantes da caridadezinha. Lembrando o Evangelho a mandar que não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita. Em vez das fanfarras da caridadezinha oficialóide, claro.