Vai por aí uma grande indignação por querer o Governo lançar uns sorteios periódicos de bens valiosos (automóveis?) a benefício daqueles que tenham pedido factura nas suas transacções.
Quer-me parecer que o grosso da coluna desses indignados é gente de esquerda.
Espanta-me. Espanta-me essa esquerda. Essa esquerda faz-me lembrar aquela gente que acha que o Estado não tem nada que se meter na vida das pessoas. Espanta-me essa esquerda, pois, se o Estado não se pode financiar sem que os impostos sejam pagos; se os que pagam, pagam demais para compensar os que não pagam; se o insuficiente financiamento do Estado acaba sempre por prejudicar primeiro os mais fracos - como se pode defender, com tanta esquerda na voz, os que fogem aos impostos?
Dir-me-ão: ah, mas o actual nível de impostos é injusto, temos que resistir. Pois, até pode ser, mas sempre direi: primeiro, que seria mais justo equilibrar o orçamento por via dos impostos do que por via de cortes que seleccionam as vítimas por grupos (é assim que pensa a esquerda social-democrata e aparentada em todo o mundo); segundo, que defender o desrespeito pelas obrigações fiscais (defender os que fogem aos impostos) é defender um Estado enfraquecido, incompatível com um Estado social forte; terceiro, que os que fogem aos impostos encobertos no facto de nós não pedirmos factura não são, em geral, os mais penalizados por uma carga fiscal desequilibrada (se este for, de todo, o ponto).
Julgo que é uma medida de esquerda desincentivar a fuga aos impostos. Julgo que a esquerda faz mal em esquecer isso e embarcar no coro populista contra a mencionada medida. Estar contra o governo não pode justificar tudo.