Candidato republicano Newt Gingrich volta a gerar polémica ao classificar os palestinianos de povo “inventado”.
A boa consciência está contra os meios pouco democráticos que os grupos de pressão pró-Israel usam para controlar a política dos Estados Unidos da América no que toca ao Médio Oriente. Eu também estou contra esses métodos e julgo que eles tornam os EUA virtualmente irrelevantes para a paz nessa parte do mundo, apesar das aparências. Dessa novela, o episódio mais recente é o episódio Gingrich.
Newt Gingrich, ideólogo da direita dura americana, ressuscitado dos escombros do "bem prega Frei Tomás" em matéria de moral sexual e familiar graças aos despistes de uma série de outros proto-candidatos republicanos, não surpreende quem se lembra dele. É um revolucionário de direita, um combatente de ideias, portanto. Um tipo que, por ser ideólogo e revolucionário, sabe o que as palavras valem. E usa as palavras como armas das ideias. Mas essa guerra não começou ontem, nem com Newt Gingrich. Mesmo assim, vai por aí um clamor porque ele disse que os palestinianos são um povo “inventado”.
Só que Gingrich tem toda a razão.
Nessa forma específica de descrever essa parte do problema, Gingrich tem toda a razão. Os palestinianos são um povo “inventado”. No mesmo sentido em que Israel é um país inventado. Tal qual todos os países são inventados.
Povos, países, estados - não são entes de natureza, são realidades institucionais inventadas, criadas de uma forma, quando outras formas seriam perfeitamente possíveis. Onde o homem não tem razão é em estar a usar essa verdade específica - os palestinianos são um povo inventado - para esconder a verdade mais geral de que há, naquela parte do mundo, demasiadas coisas que deviam ser inventadas de outra maneira.
Portugal também é um país inventado, só que foi inventado há muito mais tempo. D. Afonso Henriques inventou um ente político separado e conseguiu que não lhe tirassem o brinquedo. Embora se festeje, ainda, o 1º de Dezembro, é sabido que parte das elites portuguesas trabalharam longamente para juntar o reino de Portugal aos demais reinos ibéricos - e, embora o "espanholismo" seja popularmente abominado entre nós, a opção ibérica não é menos deste mundo do que a opção da independência portuguesa.
Isto é tudo inventado, no sentido em que se podia ter feito de outra maneira - apesar de, em geral, não ser possível voltar com o relógio para trás para desinventar ou desfazer o que já foi gerado pelas dinâmicas históricas. Assim, o homem tem o grão de razão que se pode ter num aspecto do mundo, embora não tenha razão nenhuma em tomar Israel como um "facto natural" e a Palestina como um "facto inventado", quando a verdade é que são, todas, formas que resultam da humana capacidade para a instituição.
Provavelmente, das poucas coisas que são feitos exclusivos da espécie humana, as instituições.