17.3.08

auto-retrato de um radical da palavra


Talvez muitos já não se lembrem, mas a construção do Centro Cultural de Belém mereceu, lá pelos idos dos inícios dos anos 1990, uma atitude bastante céptica de certos meios políticos e culturais cá do burgo. Em especial, alguns achavam que "ser de esquerda" implicava estar contra o governo de então e que, de passagem, requeria estar contra "o mamarracho". Alguns que não se classificariam "de esquerda" também alinhavam, às vezes por razões muito sábias (pareciam na altura), outros por estarem então em maré de picar os miolos ao primeiro-ministro em exercício. Ser capaz de ver as coisas à distância dos anos ajuda a crescer em sabedoria, como mostra este caso (e outros que talvez aqui traga um destes dias). Ajuda a relativizar e a não darmos tanta solenidade às nossas próprias opiniões.
A Actual, revista do Expresso, lembrou este assunto na sua edição de 8 de Março. E fê-lo comparando as declarações de uma mão-cheia de personagens nesses anos críticos com o que os mesmos pensam hoje em dia. Humildemente ou não, mais ou menos todos reconhecem que talvez não tivesse valido a pena tanto escarçéu. Ainda bem.
Com uma excepção. António Barreto, um dos que se pronunciaram com enquadramento institucional mais evidente (como deputado do PS no Parlamento), e com recurso a adjectivos mais pesados ("atentado, ilegalidade e despropósito", que o homem não se fica por menos), nunca esteve disponível para o exercício de se comentar ao espelho do tempo. Apesar de contactado pelo Expresso desde Janeiro por vários meios.
Compreendo-o: como continuar a ser um radical da palavra se deixasse ver à luz do dia como os radicalismos verbais não passam por vezes de malabarismos autorizados pela brisa da ocasião fugaz?
Este é o risco de quem fala ou escreve em público. Até num blogue.