Nos EUA do início dos anos 1920, os manuais escolares de biologia eram de forma geral claramente darwinistas. O manual obrigatório nas escolas do Tennessee também. Mas, em 1925, sob pressão dos cristãos fundamentalistas, o Tennessee tornou-se o primeiro Estado da União a proibir o ensino da teoria da evolução. A nova lei tornava um crime ensinar em qualquer escola pública "qualquer teoria que negue a história da Criação Divina do homem tal como é ensinada pela Bíblia".
O efeito pretendido era mais simbólico (definir o que é legítimo) do que prático (o manual em uso continuaria a ser o mesmo). Mas a ACLU (American Civil Liberties Association), que defendia a mais completa liberdade de expressão (desde os anarquistas e socialistas até ao Ku Klux Klan), desafiou publicamente (com anúncios nos jornais) um professor do Estado do Tennessee a agir contra a lei.
Nessa altura alguns notáveies de Dayton, preocupados com a decadência da terrinha (falência das minas), acharam que aquela era a oportunidade para concentrar as atenções da nação e atrair pessoas. E propuseram a John Scopes, professor de ciências na escola local, que se tornasse o isco da operação. O que ele aceitou. Apesar da pena prevista pela lei para aquele crime ser multa, ele aceitou ser preso, porque isso tornaria o caso mais picante. Posteriormente, Scope veio dizer que acreditava na justeza da causa em si mesma.
O resultado foi o esperado: um escândalo tremendamente popular. Scope tornou-se um símbolo: para uns, um mártir da ciência; para outros, um embaixador do mal. E, a propósito dele, Darwin ía ser julgado numa terreola do Tennessee.
Esse julgamento tornou-se o primeiro grande acontecimento mediático da América global. As sessões foram pela primeira vez transmitidas em directo por uma rádio. Alguns dos jornalistas mais famosos fizeram a cobertura no local. O circo fora do tribunal era ainda mais vistoso do que os acontecimentos dentro da sala de audiências, apesar de aí brilharem dois famosos oradores. Pela acusação, W.J. Bryan, três vezes candidato presidencial pelos Democratas, que fora adepto da teoria da evolução mas a rejeitou por causa dos ricos e poderosos que a usavam para justificar a desigualdade social (darwinismo social). Bryan considerava que o manual de biologia do Tennessee também alinhava nessa teoria. Pela defesa, C. Darrow, o mais brilhante defensor em questões criminais à época. O juiz daquele processo, que do ponto de vista religioso até era um moderado, julgava ter sido escolhido por Deus para aquela missão - e no ano seguinte tinha de novo eleições para aquele lugar de juiz. Dos doze jurados, onze eram membros empenhados de algumas das congregações religiosas locais - e nenhum conhecia a teoria da evolução. Além disso, o advogado de defesa achava a causa demasiado importante para ficar por ali: há historiadores que pensam que ele queria perder para poder recorrer a uma instância superior.
Entre a numerosa animação de rua que acompanhou o julgamento havia um macaco que todos os dias era vestido de forma diferente. Um gorila numa jaula foi exposto para as pessoas ajuizarem se ele podia ser parente delas. Dentro do tribunal, a defesa queria cientistas a depor. Durante o longo debate dessa questão, os jurados estiveram ausentes, por determinação do juiz. Finalmente, o juiz decidiu que não iriam ser ouvidos cientistas nenhuns, porque não estavam a julgar uma teoria científica, mas um professor que desrespeitara a lei estadual. Nessa altura, os media consideraram que o julgamento tinha sido decidido e a maioria dos jornalistas partiu. A defesa surpreendeu então, chamando como sua testemunha um especialista, já não em ciência, mas... na Bíblia: o advogado de acusação, Bryan! Mas isso parecia não lhe valer de muito, porque Bryan se esquivava à maior parte das perguntas com piadas para a galeria, tentando não conceder respostas que fossem contra a sua própria dignidade intelectual. A certa altura, a defesa perguntou à testemunha-de-defesa-que-era-chefe-da-acusação se ele acreditava que o mundo tinha sido criado em seis dias e ele respondeu: que importa se foi em 6 dias, 6 anos, 6 milhões de anos ou 600 milhões de anos? Isso era o que a defesa queria ouvir: se esse ponto admitia uma interpretação não literal, porque não fazer o mesmo com outros pontos?
Mesmo assim, Scopes foi condenado. Dois anos depois, o Supremo Tribunal do Tennessee anulou a pena, com base em detalhes técnicos, mas recusou revogar a lei anti-evolucionismo. Scopes escreveu mais tarde que se tinha sentido um tanto incomodado com tudo aquilo, porque... não se lembrava de alguma vez ter ensinado alguma coisa sobre Darwin ou a teoria da evolução.
Como se sabe, muitos aspectos desta história bizarra são muito actuais. Melhor do que eu, cada leitor fará o seu juízo.