2.3.07

Habitar um mundo feito com peças de corpos


Gu Wenda, nascido em Xangai em 1955 e formado no seu país natal, é um dos artistas plásticos chineses de maior renome internacional, vivendo e trabalhando actualmente em New York. Tem exposto em inúmeros países ocidentais e orientais.
Um do seus trabalhos mais recentes, a "Série das Nações Unidas", foi desenvolvido entre 1993 e 2004 e exibido em mais de vinte países. A instalação que aqui vemos pertence a essa série.

(Foto de Porfírio Silva)

Gu Wenda é um renovador das artes tradicionais chinesas: esta instalação dá uma nova dimensão à caligrafia com pincel de tinta - ao mesmo tempo que se cruza com as tendências para dar ao corpo humano um papel central na expressão artística. Trabalhos anteriores de Wenda já tinham renovado a arte da caligrafia de outro modo: usando falsos caracteres chineses, por si inventados.
Esta instalação intitula-se "Monumento da China: Templo do Céu" e é construída com cabelos humanos, de pessoas de muitas terras de todo o mundo, diferentes raças e ambos os sexos, que compõem "falso texto": palavras em caracteres imaginários do chinês e de outras línguas que existem à face da terra.

(Foto de Porfírio Silva)

O lugar central concedido aos cabelos humanos nesta instalação é significativo. Os cabelos, mesmo quando arrancados ou cortados, mantêm memórias muito precisas do corpo que os criou (permitem uma identificação individual precisa pelo ADN). O cabelo está associado, de formas diferentes de cultura para cultura, à vida e à morte, à privacidade, à hereditariedade, à fé, à identidade, ao nacionalismo, etc. . Para os chineses, o corpo, o cabelo e a pele representam o património dos antepassados. O humano concreto e particular cruza-se com a globalização nesta obra, na qual também se cruzam as nossas memórias culturais (Dalila derrotou Sansão cortando-lhe os cabelos...).

(Foto de Porfírio Silva)


(Foto de Porfírio Silva)

Wenda quer que a sua instalação seja habitável. Daí a presença de mesas, cadeiras e bancos. Se lá nos sentarmos ficamos, natur-cultur-almente, no meio de pedaços de corpos como nós.

(Foto de Porfírio Silva)

No Verão/Outono de 2006, o Hong Kong Museum of Art, localizado em Kowloon, apresentou esta instalação de Gu Wenda numa exposição intitulada "Hair Dialogue", que tivemos a oportunidade de visitar. Nessa exposição integrava-se também a instalação "Memorize the Future", da artista chinesa Leung Mee-ping (nascida em Hong Kong em 1961, ano de boa produção como é sabido). A imagem abaixo é desse trabalho de Leung Mee-ping.

(Foto de Margarida Marques)


(A primeira versão deste apontamento foi publicada no sítio O Império do Meio.)