26.3.07

Cavaco, Estaline, Soares, Trotsky e o Adobe Photoshop

Cavaco Silva, exercendo actualmente as funções de Presidente da República, pensa poder apagar Mário Soares da história recente de Portugal, designadamente da história da aproximação e adesão de Portugal à União Europeia (ex-CEE). Não nos espantemos. A tentação de apagar personagens da história é velha.

Estaline, de quem Lenine desconfiava, não queria sombras na sua ficção de ter sido o preferido do primeiro líder. A grande pedra no sapato era Trotsky, que Lenine podia ter achado irresponsável mas a quem reconhecia mais inteligência. Para Estaline, mandar matar Trotsky não bastava. Era preciso também apagá-lo da memória. Por exemplo, apagando-o das fotografias. Foram pioneiros nisso, como se vê nos dois pares de fotos abaixo.

No primeiro par de fotos, temos primeiro Lenine e Trotsky na Praça Vermelha celebrando juntos o segundo aniversário da revolução (1919). Temos, depois, a foto “retocada” para publicação (em 1967) de um livro sobre Lenine. O “retocado” foi Trotsky, enviado para as brumas da falta de memória.




No segundo par de fotos, temos primeiro Lenine (1920, frente ao Teatro Bolshoi em Moscovo) a falar às tropas. Trotsky, que teve responsabilidades no governo comunista na área militar, acompanha-o em posição de destaque (de pé, junto ao palanque). Esta imagem tornou-se um símbolo da Rússia revolucionária, mas a sua utilização em muitas publicações de grande tiragem foi “filtrada” para extrair Trotsky desse símbolo.





Não se pense que Estaline só se preocupava com Trotsky. Um terceiro par de fotos mostra como Nikolai Yezhov foi apagado de uma foto onde aparecia ao lado de Estaline, “apagão” que aconteceu depois da sua execução em 1940. Adequadamente, foi substituído pelas águas do canal Moscovo-Volga: ele tinha sido o comissário responsável pelo transporte fluvial.





Hoje em dia, alguns responsáveis políticos nem se contentam em brincar com o Photoshop para retocar a história. Querem mesmo apagar outros do reconhecimento que lhes é devido. Politicamente isso é abjecto. Mesmo que o primeiro magistrado da nação se ocupe a dar explicações esfarrapadas que só denunciam a sua má-fé. Ele, Cavaco Silva, que há mais de 20 anos tentou pôr em causa a cerimónia de adesão de Portugal à CEE por mera manobra partidária, acabado que estava de tomar o poder no seu partido. Ou já não se lembram? Ele deve lembrar-se. Terá sido por isso que afastou Soares de uma reunião onde ele, Soares, devia ser a estrela principal?

(Nada do que fica dito depende de ter ou não ter simpatia por Mário Soares. O que Estaline representa não depende da nossa opinião acerca de Trotsky. O que o gesto de Cavaco representa não depende do seu alvo.)

(As fotos são do sítio The Commissar Vanishes.)