21.12.11

emigração.


Neste país não se pode discutir nenhum assunto sério seriamente. (Sérgio Godinho canta: "só neste país é que se diz só neste país"; mas uso a expressão para não ter de arrancar os cabelos.)
Emigração. A forma como se tem andado a discutir a emigração é de uma enorme falta de respeito para com as pessoas concretas. Uns, falam de emigrar como se isso fosse a solução miraculosa, a que só não deita mão quem não quer, mostrando (quem assim fala) leviandade ao referir-se a uma decisão que nunca será leve da parte de ninguém. A forma como o governo tem falado do assunto inscreve-se nesse tom. Outros falam da emigração como se isso fosse uma hipótese diabólica, a condenação aos infernos, algo que só pode ser um mal nacional e pessoal. O tom da oposição difusa tem sido esse - e esse tom também é desrespeito pelas pessoas, na medida em que afasta liminarmente uma possibilidade de agir que, para muitos, pode ser uma saída melhor que outras disponíveis. Seria bom que pudéssemos debater assuntos difíceis sem a manipulação imediata que apenas quer despertar adesão ou repulsa por um determinado grupo político em presença.
A emigração é pior do que obrigar uma pessoa com responsabilidades familiares a viver com menos de 500 euros por mês? A emigração é pior do que ter de sair da escola, mesmo que seja da universidade, por falta de dinheiro? A emigração é pior do que ter de ir viver para o Porto Santo para ser professor? Será a emigração, afinal, o pior de todos os males? Duvido, sinceramente duvido, e lamento que a discussão pública sobre esta matéria tenha pouco em conta as necessidades das pessoas que realmente podem querer - ou podem ser obrigadas a querer - emigrar. Excepção a esse tom foram as declarações de Paulo Rangel, ontem, mas no meio da barulheira elas são tomadas como mais uma manobra para salvar a face dos companheiros que disseram disparate. Quando, seriamente, aquilo que ele disse merecia ser discutido, mesmo que fosse para criticar. Só que isso deixou de ser possível num país onde quem fala são as cadeiras voadoras e o telejornal das vinte.
Emigração. Não aceito grandes lições de vida nesta matéria. Sei por experiência própria o que é a emigração tradicional para fugir à pobreza do país, também sei por experiência própria o que é a emigração de luxo, e sei também por experiência própria o sabor que tem a mobilidade dos "intelectuais assalariados". Não nasci na Maternidade Alfredo da Costa, nem fui amamentado nos salões da capital do império, o que custa a alguns engolir é que eu não falo (nunca) do ponto de vista dos "privilegiados de Lisboa" ou de uma qualquer "classe possidente", que olham para os outros como paisagem. Falo como um tipo igual a tantos outros que anda na rua e se zanga por tratarem todos os temas pesados como motivo de barulheira político-mediática. E não, não estou a defender o governo, estou a defender que as ideias do governo, e as da oposição, e as dos sindicatos, e as dos patrões, têm de ser discutidas, não abafadas.
Já aqui escrevi anteriormente sobre isto. A 5 de Abril de 2011 (portanto, no "tempo da outra senhora"), defendi que a questão da emigração devia ser encarada na óptica da mobilidade, tendo na altura atacado o discurso da "perda de talentos" pela via emigratória. Esse post intitulava-se hoje esperam por si 1.080.565 ofertas de emprego. Nessa altura achavam que eu estava a ser "socrático" e a defender a "situação". Mas não estava. Tal como agora não estou. Estou é cansado de tanto ruído.