27.9.11

Álvaro e a formação.


"Em vez de ser o Estado a fazer formação, vão ser os trabalhadores, nas empresas, a trabalhar”, explicou o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, ontem à noite na RTP1.

Não brinquem com a formação!

Devia haver algum mecanismo que impedisse um ministro de dizer disparates à vista do país. Portugal já experimentou, há muitos muitos anos, a teoria de "serem as empresas a fazer formação", assim, sem mais nem menos. A essa magnífica teoria se deve grande parte do desperdício das verbas do Fundo Social Europeu, esturradas em formações que nada formavam, financiadas em nome de uma mirífica utilidade para a empresa envolvida.
Reagindo a essa armadilha, Portugal conquistou, há muitos anos, a maturidade de estruturar a sua oferta de formação, para que ela deixasse de ser avulsa, pontual e de vistas curtas, e passasse a ser qualificante, reconhecida, certificada. Com base nesses princípios, e para que a formação não fosse apenas mais um expediente para entregar dinheiro às empresas, Portugal até conseguiu que os apoios comunitários à formação passassem a poder ser aplicados no sistema educativo. Tudo isso há muitos anos. A ideia era deixar a formação a quem sabe formar. E, como nas melhores experiências a nível mundial, Portugal tem segmentos do seu sistema de formação profissional com um profundo e profícuo envolvimento de entidades privadas, do mais diverso tipo, em parcerias com entidades públicas, visando a qualidade e sustentabilidade da formação. São, em muitos casos, soluções muito sofisticadas, muito ajustadas à especificidade de sectores e regiões, afinadas ao longo do tempo.
E, agora, vem um ministro querer voltar ao discurso simplista de "em vez de ser o Estado a fazer formação, vão ser os trabalhadores, nas empresas, a trabalhar". A formação não é uma actividade ocupacional, senhor ministro! Na generalidade dos casos, estando envolvida a necessidade de reorientação das qualificações do trabalhador (o que parece ser o caso, tratando-se de desempregados de longa duração), o desenho da formação ultrapassa o contexto específico da empresa: é preciso saber como transformar o perfil anterior do trabalhador num novo perfil ajustado a novos empregos. Tudo isso é impossível de fazer apenas com voluntarismo, muito menos com o voluntarismo guiado apenas pelo acesso a mais "umas verbas".
Se querem dar dinheiro às empresas, dêem. Não aproveitem é a crise para voltar ao velho discurso ideológico de "as empresas é que sabem", que no passado só serviu para desprestigiar a formação profissional - e para desperdiçar dinheiros públicos, escoados tantas vezes para bolsos muito pouco formativos.