12.5.08

Mundos paralelos


Mão amiga fez-me chegar a seguinte crónica de Manuel António Pina no "Jornal de Notícias":

«Oiço na SIC a notícia de que Margarida Vila Nova está grávida e pergunto a mim mesmo "Quem é Margarida Vila Nova?". Depois, aparece no ecrã a capa da revista "Caras" com uma foto de página inteira da tal Margarida e a informação que ela e mais não sei quem pensam casar-se em Setembro e a minha inquietação redobra: nunca vi aquela cabeça naquele ou noutro corpo. Por sua vez, no "Correio da Manhã" leio que Sílvia Rizzo (quem será Sílvia Rizzo?) entrou na Redacção de "uma publicação" acompanhada de Rita Salema (e Rita Salema, quem será?), atirou com o telemóvel a um jornalista e empurrou uma mesa da sala de reuniões por causa de uma notícia qualquer sobre a custódia dos filhos, e começo a suspeitar que não tenho andado por aqui e que existe algures, no meu tempo e no meu espaço, um universo paralelo não comunicante, do tipo dos teorizados por Everett e por DeWitt, que me escapa absolutamente. A hipótese de um mundo ou de um estado quântico alienígena à minha volta, povoado de fantasmas caóticos e de existências em holomovimento, é assustadora. O problema não é esse mundo outro ser ou não real, porque, pelos vistos, é (basta ler alguns jornais e ver televisão), o problema é que pode muito bem acontecer (já admito tudo) que eu é que não seja real.»

A essa mão amiga respondo:

"Mundos paralelos" sempre houve, aqui e em qualquer lugar, em todo o tempo.
Quando eu era criança, de certeza que havia coisas em tua casa que eu nem sequer sabia que existiam. Há milhões de crianças no mundo que não sabem o que é ver e ouvir uma sinfonia do Mahler dirigida pelo Bernstein. E outras não sabem o que é um gelado Hagan Daz, de que eu tanto gosto. E muitos nunca lerem, e se lessem não gostariam, O Jogo das Contas de Vidro. E, felizmente, eu nunca passei e espero nunca passar por coisas que passam pessoas aqui perto de nós (por exemplo, as putas da esquina de minha casa). Há, e sempre houve, muitos mundos paralelos. E depois? A melancolia metafísica de Manuel António Pina, com a qual simpatizo, não devia espantá-lo: esses mundos paralelos que tanto o assombram são o que está ao alcance de quem não tem os olhos, os ouvidos e a educação dele. Só isso.