O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia, por proposta da Comissão Europeia, estabeleceram 2008 como o Ano Europeu do Diálogo Intercultural (AEDI).
Um lema representa bem, quer a própria UE, quer o AEDI: "Juntos na Diversidade" ou "Unidos na Diversidade". É que a própria UE é um mosaico de diferentes culturas, línguas, tradições, sistemas jurídicos - mas continua a tentar construir uma forma relativamente original de convivência num espaço onde coexistem uns 500 milhões de cidadãos. E, por isso, não nos é estranho que a UE seja, além disso, um espaço de cruzamentos de pessoas que vêm de outras partes do mundo. Uma parte das ferramentas que precisamos para lidar com a diversidade cultural que nos vem de fora é constituída por ferramentas que também precisamos para lidar com a diversidade que temos cá dentro.
O caso é que a forma de lidar com esta diversidade não é principalmente uma questão teórica no panteão dos temas esotéricos que tantas vezes povoam o "discurso europeu". Ela tem implicações práticas para milhões de pessoas. Basta pensarmos na concretude da vida de muitos milhões de migrantes. E, por esse lado, alguns dos tópicos que estão em consideração neste Ano são de relevância concreta: minorias, multilinguismo, religião, educação, trabalho.
Mas convém que, quanto ao diálogo intercultural, não renunciemos a enunciar claramente alguns princípios inalienáveis. Por exemplo, que a diversidade não pode ser justificação para o relativismo. A UE assenta em "valores comuns" e não no relativismo. E essa ideia de uma comunidade de valores até deu origem a um conceito vagamente jurídico, ou político-jurídico, muitas vezes invocado quando as negociações legislativas a nível comunitário chegam às grandes encruzilhadas: o das "tradições constitucionais comuns" dos Estados Membros. Nem sempre se consegue apurar de forma simples e directa quais são as fronteiras dessas "tradições constitucionais comuns", mas o princípio importa à ideia de que os valores comuns não estão à venda a troca de qualquer facilitismo relativista.
Contudo, e por outro lado, se os valores comuns fundam uma certa identidade a que não podemos renunciar, não podemos fazer da identidade uma arma de guerra. Apesar de o passado nos constituir sempre, até certo ponto, no que somos e não sabemos deixar de ser, acredito menos na identidade virada para o passado do que na identidade virada para o futuro, construída no desejo de construir um destino comum. Mas, mesmo assim, e isso define um princípio de abertura, porque nós também somos capazes de mudar e de acolher no outro valores que não eram nossos no passado, o que nos deve guiar é a vontade de um destino comum com os outros humanos que vivem no mesmo espaço que nós.
É preciso, mesmo assim, não nos deixarmos enredar nas armadilhas dos falsos profetas da tolerância. Devemos ser tolerantes com certas opções diferentes das nossas, mas devemos ser firmementes intolerantes com outras opções que são radicalmente estranhas a valores constitutivos da nossa forma de estar no mundo. Algumas pessoas vêm das suas terras distantes até à Europa também para poderem usufruir dos nossos valores e se protegerem dos valores das suas comunidades de origem. E não podemos defraudar essas pessoas com uma "tolerância" deslocada. A Europa dos Direitos Humanos não pode renunciar a eles em nome de qualquer tolerância relativista.
A Europa não é vítima do mundo. Alguns por vezes falam como se o diálogo intercultural fosse uma resposta a um problema importado. E esses apontam o dedo, por exemplo, aos imigrantes. Mas estão errados. A Europa tem uma história carregada de intolerância. Por exemplo, cristãos contra judeus. Ou, entre cristãos, católicos e protestante opondo-se uns aos outros. Por isso, não é "por causa dos outros" que este assunto é importante para os europeus. Ele é importante para nós por causa dos nossos próprios fantasmas - e das realidades presentes que podem ressuscitar tais fantasmas.
(Este apontamento serve de comemoração do Dia da Europa, neste 9 de Maio. E vem a propósito da minha participação, ao lado da Alta Comissária para a Imigração e o Diálogo Intercultural, Dra. Rosário Farmhouse, e do Embaixador de Cabo Verde, Dr. Arnaldo Andrade Ramos, num colóquio organizado pela Câmara Municipal da Amadora no âmbito de uma série de iniciativas da Semana da Europa nesse Município.)
[Promulgação do Tratado de Lisboa por Cavaco Silva marca Dia da Europa]