7.5.07

Duas derrotas


1. Ségolène perdeu. Em França é quase sempre assim. Raras vezes a esquerda tem chegado ao topo do poder de estado. Os barões socialistas logo começaram a morder na senhora. Isso também é habitual em França: não há qualquer pudor em entrar nos barcos das vitórias quando elas existem, tal como ninguém se inibe de morder os derrotados como se o mundo estivesse todo nas suas mãos e eles perdessem necessariamente pela sua incapacidade intrínseca. Havia, talvez, um candidato melhor do que Ségolène: Strauss-Kahn. Mas, mesmo os homens que talvez sejam grandes, deviam perceber que a história passa por outras coisas maiores que as suas cabeças brilhantes. Neste caso, a vitória de uma mulher para presidente, pelo lado da esquerda, teria um significado próprio. Por uma razão simples: porque é uma entorse à democracia que isso nunca tenha acontecido. Mas "homens inteligentes" como certos dirigentes socialistas franceses são incapazes de perceber isso, são incapazes de compreender que a mudança não se faz só com "ideias", "projectos", "renovações social-democratas". Que a mudança tem de acontecer com "acontecimentos". E seria um acontecimento que uma mulher "quase normal", esposa e mãe, tivesse completado a sua carreia política com a presidência. Hilary Clinton talvez lá chegue, quem sabe.

2. Jardim venceu. Não tenho fígado para falar muito nisso. Mas uma coisa tem de se dizer: aquilo não é uma democracia e é uma vergonha que os órgãos próprios do Estado, a começar pelo Presidente da República, olhem para o lado e façam de conta que não vêem nada. Tal como é uma vergonha que o PS "de Lisboa" ainda venha saudar a vitória do ditador. Que asco. Se aquilo fosse o ambiente que nos tocasse a nós viver, aqui no continente, suportaríamos essas palmadinhas nas costas? Aqueles que criticam com tanta facilidade o distante presidente da Venezuela calam-se a isto. Isso prova que Jardim há muito tempo começou a exportar o terror das suas ilhas para o continente: exporta os silêncios obrigados, os medos, a auto-censura, a conivência com o inaceitável. Tudo começa sempre assim.

Que domingo!