A história mais ou menos recente está cheia de casos destes: quando um regime iníquo e opressor é substituído por um regime democrático, coloca-se geralmente a questão de saber o que fazer aos expoentes do regime deposto, ou, pelo menos, aos seus agentes que tenham tido responsabilidades pessoais directas nos actos mais condenáveis. Em Portugal essa questão colocou-se com o 25 de Abril. Apenas um punhado dos principais líderes do regime deposto se viu forçado ao exílio e poucos membros da polícia política foram incomodados. Há sempre os que clamam, em nome da justiça, por vingança. E há sempre os que, mais interessados no futuro do que no passado, clamam por clemência em nome da convivência. Mais recentemente, certas transições optaram pela clemência, mas acompanhada de processos de reconhecimento público das tropelias antigas: é o caso das “comissões de verdade”, como teve a África do Sul depois do fim do apartheid.
Normalmente não chegamos a poder fazer a experiência de como seriam as coisas se tivéssemos optado pela outra via histórica. Mas por vezes isso torna-se possível. A direita extrema e irresponsável que actualmente toma conta da Polónia deu-nos a oportunidade de verificar para o que podem servir os processos que, em nome da justiça, promovem a vingança do passado. A “lei da descomunização” obriga muitos milhares de pessoas, mais exactamente cerca de 700.000 (nomeadamente todos os que tenham funções públicas) a declarar por escrito que não colaboraram com a antiga polícia política, sob pena de destituição dos seus cargos. Cumulativamente, os arquivos são usados para perseguir pessoas que supostamente colaboraram e para ameaçar todos os declarantes de que podem vir a ser apanhados em falso. Apesar de se saber que muitos dos documentos “comprometedores” são falhos de credibilidade, por terem sido originados por situações de coacção exercida pelas autoridades comunistas (a "colaboração" não era sempre espontânea). O processo tem servido para instalar uma enorme tensão na sociedade polaca – e em particular para os partidários do poder instalado amedrontarem todos aqueles que não se vergam aos seus ditames. Esse é, aliás, o perigo geral destes processos.
O caso mais gritante foi o de Bronislaw Geremek. Geremek, hoje com 75 anos, teve um papel importante na democratização (antigo comunista, foi conselheiro de Lech Walesa no sindicato Solidariedade, que representou nas negociações para passar do regime comunista ao regime demcrático) e, não tendo nada a esconder do seu passado, recusou, por uma questão de princípio, subscrever a tal declaração. Tendo sido ministro dos negócios estrangeiros da Polónia pós-comunista entre 1997 e 2000, sendo agora deputado no Parlamento Europeu, viu a Dieta (parlamento polaco) votar que, por tal recusa, o seu mandato de deputado europeu deveria ser cassado.
Agora, o tribunal constitucional daquele país acaba de declarar parcialmente inconstitucional a lei que permitia tais abusos. Veremos como evolui a situação. Contudo, e desde já, uma coisa é certa: aqueles que pensam que chafurdar no passado é necessariamente a melhor via para preparar o futuro devem reflectir nesta situação. Aqui, o passado foi ressuscitado para fins mesquinhos de política imediata, para amedrontar a sociedade como um todo, para fazer reviver as feridas antigas e trazer de volta as velhas divisões, para colocar os arquivos do estado no papel de guilhotina ao serviço da vingança. Esse risco, julgamos nós, está sempre presente neste tipo de processos.
Normalmente não chegamos a poder fazer a experiência de como seriam as coisas se tivéssemos optado pela outra via histórica. Mas por vezes isso torna-se possível. A direita extrema e irresponsável que actualmente toma conta da Polónia deu-nos a oportunidade de verificar para o que podem servir os processos que, em nome da justiça, promovem a vingança do passado. A “lei da descomunização” obriga muitos milhares de pessoas, mais exactamente cerca de 700.000 (nomeadamente todos os que tenham funções públicas) a declarar por escrito que não colaboraram com a antiga polícia política, sob pena de destituição dos seus cargos. Cumulativamente, os arquivos são usados para perseguir pessoas que supostamente colaboraram e para ameaçar todos os declarantes de que podem vir a ser apanhados em falso. Apesar de se saber que muitos dos documentos “comprometedores” são falhos de credibilidade, por terem sido originados por situações de coacção exercida pelas autoridades comunistas (a "colaboração" não era sempre espontânea). O processo tem servido para instalar uma enorme tensão na sociedade polaca – e em particular para os partidários do poder instalado amedrontarem todos aqueles que não se vergam aos seus ditames. Esse é, aliás, o perigo geral destes processos.
O caso mais gritante foi o de Bronislaw Geremek. Geremek, hoje com 75 anos, teve um papel importante na democratização (antigo comunista, foi conselheiro de Lech Walesa no sindicato Solidariedade, que representou nas negociações para passar do regime comunista ao regime demcrático) e, não tendo nada a esconder do seu passado, recusou, por uma questão de princípio, subscrever a tal declaração. Tendo sido ministro dos negócios estrangeiros da Polónia pós-comunista entre 1997 e 2000, sendo agora deputado no Parlamento Europeu, viu a Dieta (parlamento polaco) votar que, por tal recusa, o seu mandato de deputado europeu deveria ser cassado.
Agora, o tribunal constitucional daquele país acaba de declarar parcialmente inconstitucional a lei que permitia tais abusos. Veremos como evolui a situação. Contudo, e desde já, uma coisa é certa: aqueles que pensam que chafurdar no passado é necessariamente a melhor via para preparar o futuro devem reflectir nesta situação. Aqui, o passado foi ressuscitado para fins mesquinhos de política imediata, para amedrontar a sociedade como um todo, para fazer reviver as feridas antigas e trazer de volta as velhas divisões, para colocar os arquivos do estado no papel de guilhotina ao serviço da vingança. Esse risco, julgamos nós, está sempre presente neste tipo de processos.