18.5.07

"Darwin" ou "homenagem rocambolesca a Palmira F. da Silva"


Ponto 1) Palmira F. da Silva publicou, no excelente De Rerum Natura, um post intitulado Dawkins e as más companhias.

Ponto 2) Hoje fui ao teatro, ver a peça Darwin e o canto dos canários cegos, de Murilo Dias César, que está n'A Barraca.

Ponto 3) O texto da peça é tão revelador que gostaria de o publicar aqui na íntegra. Como isso é impossível, publico um texto do encenador, Helder Costa, que A Barraca distribui como parte da “introdução” ao espectáculo.

Ponto 4) Está contra todos os pontos da orientação editorial deste blogue publicar textos tão longos, mas desta vez não resisto a mostrar que, quanto a más companhias, cada um tem que aguentar com as suas. Segue-se, pois, sem tirar nem pôr, transcrição do texto “As ideias e as armas”, de Helder Costa, para o espectáculo "Darwin e o canto dos canários cegos", que vai n'A Barraca.



Darwin, o genial cientista a quem Marx dedicou o 1º volume de “O Capital”, tinha razão quando receava o impacto da sua teoria sobre a origem das espécies.

Não teve a morte de Giordano Bruno nem sofreu as perseguições e humilhações de Galileu, Newton, Lamarck e tantos outros, mas foi achincalhado, desprezado, e ainda hoje há quem o considere um sinistro “anti-Cristo”.
No fim do século XIX Engels escreveu um pequeno texto fascinante - ”O papel do trabalho na transformação do macaco em homem” -, onde provava que o esforço de procurar alimentação ou a necessidade de defesa iam criando adaptações à mão, o que demonstrava que o trabalho era o verdadeiro motor do desenvolvimento. E foi com trabalho, com a observação, o empirismo, que os nossos antepassados primitivos descobriram a arte de semear e cultivar, o movimento das marés, da lua, inventaram o calendário, o dia, o mês, o ano, e mais investigação e mais estudo desenvolveram a Ciência, e assim reinventaram a vida.

Neste novo milénio, algo de surpreendente está a acontecer: o reaparecimento do Criacionismo!

Os milhares de estudos que acabaram por provar que os seres vivos existiam devido a mudanças, transmutações, evoluções, e tudo tinha sido criado por fenómenos físicos, materiais, foram miraculosamente enterrados na poeira do tempo e substituídos por um acto misericordioso, inacessível, não comprovável, de um Deus desconhecido.

Essa “teoria” tomou novo folgo pela mão da Administração Americana do Bush (que os cartoonistas desenham com fácies e trejeitos simiescos, o que é evidentemente um insulto para os macacos). De repente, naquele país que simbolizou – até certo ponto – os sonhos da democracia moderna, desabou uma hecatombe do reaccionarismo mais retrógrado: em alguns Estados o criacionismo é estudado nas Universidades e Darwin ou é proibido ou é posto a par dessa dita “teoria científica” que defende que a criação do mundo é ipsis verbis a descrição do “Génesis”! Este é um dos sinais mais importantes da estratégia de dominação mundial do imperialismo Americano: as armas, os satélites espiões, o napalm, a corrupção de Estados lacaios, a tortura, a droga, o gaz mortífero, tudo isso se revela insuficiente como provam as derrotas do Exército USA um pouco por toda a parte. Então, o que é necessário? Atacar as ideias, destruir os avanços da civilização, restaurar a boçalidade e o primitivismo, apostar na ignorância, no misticismo, no esoterismo. Para, mais facilmente, se manipular o povo marionette.

Felizmente essa ofensiva contra a inteligência não está a fazer o seu caminho. Pelo contrário, despertou as consciências de cientistas, artistas e profissionais de todos os sectores para uma verdade indiscutível: a História não segue um caminho linear, e é frequente o reaparecer da barbárie e da amoralidade.

Já Darwin, citando Heraclito, escrevia “no mundo tudo se transforma”. E é essa a lição para hoje e para o futuro: na esteira de Darwin e milhares de outros, o nosso TRABALHO é esclarecer, discutir, polemizar, impedir o renascimento do obscurantismo.

Para prevenir a PAZ, ao contrário de prevenir a GUERRA, basta saber que a IDEIA é mais importante do que qualquer ARMA.

Hélder Costa


Esta é a minha "homenagem rocambolesca a Palmira F. da Silva".