Ontem contámos a história da multa introduzida para incentivar os pais a não se atrasarem a ir buscar os seus filhos ao infantário. A experiência realizada mostrou uma insuficiência da estratégia de pensar todos os aspectos das relações sociais em termos económicos. Quando a nossa consideração pelos outros é rebaixada ao estatuto de mercadoria, reduzindo o “raciocínio moral” ao “raciocínio económico”, as consequências podem ser desagradáveis. Continuamos hoje a pensar neste tópico levando-o para outro patamar: será que tudo tem um preço, no sentido estrito do termo “preço”?
O que podemos considerar que está em causa no caso do infantário, apresentado na posta anterior, é que ao tratar a multa como um preço se opera uma mudança de regime. Um texto do professor de Direito Robert Cooter é útil para ajudar a olhar para esta mudança de regime. O texto "Prices and Sanctions" (Cooter 1984), que podemos situar no domínio da análise económica do direito, distingue preços e sanções como segue. Vejamos.
Em geral uma sanção é uma punição imposta por se fazer o que é proibido, enquanto um preço é um custo por fazer o que é permitido. A imposição de uma sanção significa que o acto sancionado não deve, de todo, ser praticado, não cabendo ao indivíduo determinar o nível de cumprimento, o que equivaleria a tratar a sanção como um custo financeiro de um negócio. Diferentemente, a fixação de um preço deixa ao indivíduo a escolha do nível de actividade que resulta na relação custo/benefício que lhe seja racionalmente mais favorável em termos económicos.
O que Robert Cooter faz, a partir desta distinção, é interrogar-se acerca do significado das leis. A lei é um conjunto de obrigações que a comunidade impõe aos seus membros e que são suportadas por sanções (perspectiva jurídica) ou a lei é um conjunto de preços oficiais (perspectiva económica)? Um exemplo desta segunda forma de encarar a lei, mencionado por Cooter, é a opinião de dois juristas americanos que defendiam que os gestores não tinham nenhuma obrigação ética de respeitar as leis de regulação económica, devendo, isso sim, calcular os custos da desobediência e violar as leis sempre que tal se revelasse lucrativo.
Cooter entende que a lei tem de ser compreendida (e administrada) tendo em conta as duas perspectivas: a visão meramente económica esquece o significado específico das sanções enquanto ligadas a normas sociais; a perspectiva meramente jurídica esquece o peso das motivações económicas, mesmo face a constrangimentos legais. É que se um instrumento é genuinamente um preço ou uma sanção não depende apenas do que lhe chamamos, mas do modo como se aplica. Pagamos multas por estacionamento proibido e pagamos multas por condução sob o efeito do álcool, mas em geral percepcionamos essas multas de forma diferente. Uma multa por estacionamento ilegal pode ser vista como um preço: normalmente é preferível estacionar em locais permitidos a preços correntes, mas em certos casos de necessidade ou urgência considero que vale a pena estacionar em locais proibidos e pagar a multa correspondente, a qual não depende em geral das minhas intenções no acto praticado ou da reincidência. Uma multa por conduzir embriagado é claramente uma sanção, que assinala uma norma social que deve ser respeitada, e que, nomeadamente, costuma ser agravada pela reincidência.
Partindo destas considerações, Cooter propõe critérios para determinar quando o legislador deve recorrer a sanções ou a preços para influenciar da forma mais eficiente o comportamento social. Não entraremos aqui nessa proposta, uma vez que apenas quisemos sublinhar que a distinção entre preços e sanções ilumina a ideia de que, no caso dos atrasos no infantário, a percepção da multa como um preço operou uma mudança de regime na percepção global da situação por parte dos pais – e que essa mudança de regime tornou inoperante um quadro normativo, a troco de um quadro económico que desorganizou ainda mais as relações entre as pessoas em presença.
(Amanhã continuamos aqui com a reflexão sobre este caso.)
REFERÊNCIA BIBLOGRÁFICA
(Cooter 1984) COOTER, Robert, “Prices and Sanctions”, in Columbia Law Review, 84, pp. 1523-1560