23.5.07

A ditadura da economia (3/3)


Deixámos aqui, ontem e anteontem, uma breve reflexão acerca das possíveis consequências nefastas de pensar que as relações sociais se esgotam nos mecanismos económicos. Partimos da história dos atrasos no infantário e depois alargámos conceptualmente o problema para a relação entre preços e sanções. Hoje concluímos com uma referência a outro exemplo prático do mesmo tipo de problemas.


Uri Gneezy e Aldo Rustichini, os autores do estudo inicial sobre os atrasos no infantário, anunciaram (em 2005) que repetiram a experiência e que ela continuou a dar os mesmos resultados. Outros autores propõem leituras convergentes de situações diferentes.


Maarten Janssen e Ewa Mendys (Janssen e Mendys 2001) propõem um modelo explicativo para uma série de observações e estudos acerca dos métodos usados em vários países para obter sangue para fins médicos. O caso é usado como exemplo de desafios que podem enfrentar as políticas que recorrem a incentivos económicos para obter certos resultados de interesse público.


Um trabalho citado como pioneiro nesse domínio é o de Richard Titmuss no início da década de 1970, que comparou o sistema americano (assente no pagamento ou em outros benefícios materiais para quem entregasse sangue) com o sistema britânico (completamente voluntário e não pago) e concluiu que o sistema de pagamentos por sangue conduzia à escassez e a menor qualidade. Titmuss concluiu que pagar pelo sangue destruía as motivações altruístas para a doação e que, além disso, essa destruição era duradoura: o posterior abandono dos incentivos monetários não restaurava as motivações altruístas, ou pelo menos isso só seria possível a muito longo prazo. Janssen e Mendys citam outros estudos na mesma área e propõem um modelo (em teoria dos jogos evolutiva) para interpretar este tipo de dinâmicas. Não vamos entrar na apresentação desse modelo formal, mas, no entender desses autores, ele mostra como é que normas sociais que não dependem de ganhos económicos (embora possam depender do incentivo do reconhecimento social) podem ser destruídas por políticas que introduzem “prémios para egoístas” que afastam o contributo dos que se movem por outros incentivos.


A nossa conclusão é modesta: quanto à nossa vida em sociedade, é preciso pensar melhor acerca das consequências da “ditadura da economia”. Talvez nem tudo seja mercadoria...


REFERÊNCIA BIBLOGRÁFICA

(Janssen e Mendys 2001) JANSSEN, Maarten C.W., e MENDYS, Ewa, The Price of a Price: On the Crowding Out of Social Norms, Tinbergen Institute Discussion Paper Nº TI 2001-065/1, Tinbergen Institute (Erasmus Universiteit Rotterdam, Universiteit van Amsterdam, Vrije Universiteit Amsterdam), Roterdão e Amesterdão, 2001