Maria Teresa Horta, respeito a sua decisão de recusar ir receber o prémio literário D. Dinis, pelo seu monumental romance “As Luzes de Leonor”, das mãos de Passos Coelho. Respeito integralmente: tem o direito a esse gesto, esse gesto tem um significado, as pessoas devem estar no mundo com os gestos que transportem os significados que para si valem a pena.
Quero publicamente dizer-lhe, mesmo assim, que preferia que tivesse decidido ir à cerimónia, receber o prémio das mãos do primeiro-ministro, e aproveitasse para fazer um discurso sobre as suas razões acerca do país neste momento.
Tenho duas bases para esta minha preferência.
Primeira: sendo as instituições aquilo que distingue a civilização da selva, prefiro sempre que tratemos os lugares institucionais como coisa de todos, não como coisa de quem os ocupa no momento. Não é o senhor Pedro que conta, não seria o senhor Pedro a entregar o prémio; seria o primeiro-ministro do nosso país. Não deveria engrandecer Passos Coelho, tratando-o como se ele estivesse lá por direito pessoal (numa cerimónia literária, ainda por cima). Temos de lidar com o actual primeiro-ministro como primeiro-ministro, um a seguir a outros e antes de outros, não como se ele fizesse o cargo (não tem, parece, estatura para fazer o cargo). Este Pedro não usurpou o cargo: chegou lá pelos nossos erros colectivos, que ele lá continue ou não é coisa nossa, não dele, não de qualquer entidade mais alta. É isso que faz a importância dos lugares institucionais: nem são dos indivíduos, nem são dos deuses. Não são dos indivíduos, porque as posições (em democracia republicana) não estão reservadas a nenhum indivíduo ou casta; não são dos deuses, por quem ocupa as posições é responsabilidade nossa, não de "alguém lá de cima".
Segunda razão: ao publicitar a recusa em ir, teve a sua oportunidade de explicar as suas razões. Mas de forma breve, porque o que passa para o espaço público, nessas condições, é pouco. Passa a recusa e uma frase condenatória de PPC, apenas. Se tivesse ido, poderia ter garantido o direito a um discurso mais articulado, mais aprofundado, mais reflexivo, mais capaz de nos fazer pensar. E precisamos disso: precisamos que os intelectuais falem do país, se debatam com esta realidade dura que temos, mas o façam com mais sumo e seiva do que a mera repulsa pelo erro. E digo isto estando, muito provavelmente, de acordo com a sua repulsa. Precisamos, hoje, de gente de cultura que vá mais ao osso do que apenas dar bofetadas na cara dos maus governantes. Se a Maria Teresa Horta tivesse ido, tivesse discursado, poderia ter feito uma magnífica peça que tocasse os nossos corações e a nossa inteligência, porventura mais do que a nossa raiva e a nossa angústia.
Como digo, respeito integralmente a sua decisão de não ir. E não tenho a arrogância de lhe dizer que seria seu dever ir. Apenas lhe digo, pelas razões aduzidas, que preferia que o tivesse feito e tivesse aproveitado para cravar um espinho mais consistente na nossa consciência colectiva.