6.9.12

ai as liberdades.


Já anteriormente me insurgi neste espaço contra a tendência para ver os grupos de hackers que por aí andam como uma espécie de fazedores da justiça que falta neste nosso mundo. Já perguntei "quem nos salva dos salvadores?", afirmando que essas multinacionais anónimas não andam muito longe da lógica das "milícias populares" que se reclamam da "justiça por suas próprias mãos", num estilo em tempos muito incentivado por Paulo Portas e quejandos. Já fiz notar hackers acusando outros hackers de serem puros criminosos escondidos sob a máscara de puras intenções políticas. Já relatei notícias de como esses grupos são vulneráveis à infiltração pelas polícias, tornando o entornar do caldo muito difícil de acautelar. Já aqui escrevi que a lógica das milícias populares leva sempre ao abuso: embora o abuso possa parecer mais romântico por ser praticado em nome da democracia, da anarquia, ou da transparência, não deixa de ser abuso por isso.
Contudo, se há coisa que os tempos actuais nos pedem é que sejamos capazes de fazer distinções mais finas do que aquelas a que estávamos habituados.
Esta notícia – Hackers acusam FBI de recolher dados sobre utilizadores de iPhones e iPads – dá conta de uma acção hacker que me parece perfeitamente conforme aos ideais de cidadania. Segundo a notícia, “o Antisecurity Movement divulgou na Internet 1.000.001 identificadores únicos de equipamentos da Apple, que podem dar acesso a dados pessoais dos utilizadores (nome, morada, número de telefone, etc.) e à sua localização geográfica – através das chaves utilizadas pelo Twitter, Facebook ou Instagram, por exemplo, cujas aplicações "perguntam" aos utilizadores onde é que eles estão num determinado momento, para que possam publicar fotografias, vídeos e texto com a indicação do sítio em que esses ficheiros foram criados e/ou partilhados”. O AntiSec roubou esses dados do computador de um agente do FBI para poder demonstrar a veracidade da acusação: o FBI usa esses meios para controlar pessoas fora daquilo que legalmente deveria estar ao seu alcance. Trata-se, pois, de um roubo que considero justificado e proporcionado ao fim justo em vista. O AntiSec teve o cuidado de “limpar” a informação para que ninguém seja capaz de identificar a propriedade daqueles equipamentos, excepto exactamentr os legítimos proprietários. A acção terá provavelmente ferido a legalidade, mas sem ferir os direitos de outras pessoas e instituições, na medida em que tocou cirurgicamente (até ao momento) no podre que estava escondido.
Os tempos são perigosos. Temos de estar alertas contra aqueles que se dizem nossos protectores para melhor nos fazer mal. Mas temos de saber reconhecer aqueles que nos ajudam a combater a tirania dos candidatos a serem órgãos do novo Big Brother. Reconheço que, em geral, não será fácil fazer as boas distinções. Estaremos, também aí, sempre em risco de errar. Mas não podemos, simplesmente, descansar como tontos à sombra de antigas distinções que já não explicam o mundo em que vivemos.