Ontem, no "telejornal", ouvi um "condutor do Norte", em vias de buzinão contra o pagamento de portagens nas Scut do Norte, dizer algo como "eles [governantes em sentido lato] que paguem a crise, que foram eles que a criaram".
Claro, a enorme dívida privada, mais a dívida dos bancos privados (contraída para satisfazer a procura privada de crédito), é culpa dos governantes. As carradas de consolas de jogos de vídeo, os carrinhos cujas prestações consomem o ordenado, as salas cheias de presentes de Natal para esquecer na hora seguinte, os vestidinhos renovados na estação, as moto-4 que vemos a estragar as nossas zonas costeiras, os sapatos ténis de boas marcas que se vêem nos pés de rua, etc., etc. - são tudo coisas que os pobres dos portugueses compram para consumo dos governantes.
O consumo sem tino (quando desligado das reais necessidades de uma "vida boa"), a falta de juízo na gestão doméstica, a fatal ingenuidade na avaliação das armadilhas colocadas pela publicidade e pela profusão de cartões de crédito e até de créditos sem cartão - nada disso aconteceu, nada disso importa. Quem tem a culpa são os "governantes": eles é que vestem as nossas calças e bebem as nossas bebidas espirituosas.
A crise é, em grande medida, esta tendência para passar as culpas. É uma crise de (in)consciência, apoiada pela incivilidade dos que pensam ganhar algo com isto.