4.12.08

nevoeiro


Plano de apoio ao sector automóvel. Estado paga 80 por cento dos salários e proíbe despedimentos até 2010.


A esquerda da esquerda da esquerda (ou a que gosta de assim se ver) acha mal que as autoridades públicas não deixem o sector bancário ir pelo cano abaixo. O raciocínio - ou melhor, o reflexo de Pavlov - é simples: os ricos que paguem a crise. Mesmo que, se os ricos pagarem a crise, isso se traduza em mais crise para os que não são nada ricos. Ninguém parece preocupado com o facto de as crises dos "ricos" serem normalmente pagas, em dobro ou em triplo, pelos que não são de todo ricos, que normalmente estão do lado da "economia real". (Ainda um dia me dedicarei ao problema filosófico desse uso do "real".) Outro problema com essa atitude da esquerda da esquerda da esquerda (à qual se junta Paulo Portas à procura de um partido, bem como o PSD à procura de um Portas) é o seu judicialismo: querem fazer crer que o problema de política económica que é denunciado por esta crise é um problema identificável com os crimes de uns tantos em certas instituições financeiras. Misturar os crimes de um punhado com os vícios de um sistema serve o eleitoralismo, mas não serve a causa pública.
Agora, o governo tenta concertar com um certo número de empresas que são ou dependem do sector automóvel uma resposta a certos aspectos da crise na economia real, usando ferramentas que foram antes experimentadas em empresas onde o patronato olha para o futuro e onde os representantes dos trabalhadores sabem distinguir o essencial do acessório. Ferramentas essas que foram entretanto institucionalizadas na nova legislação do trabalho. E que, acima de tudo, permitem enfrentar como principal desafio a preservação do emprego - o que não impede, claro, que alguns continuem a achar mais importante defender as horas extraordinárias do que o emprego. A essas ferramentas, como cimento negocial, junta-se, aparentemente, um uso "criativo" de certos recursos financeiros. Tudo, julgo eu, na óptica de que a economia não trata apenas de números, mas também de pessoas. O que dirá agora a pretensa esquerda da esquerda da esquerda, mais os seus aliados de circunstância na direita parlamentar? E o que dirá a direita parlamentar, mais os seus aliados de circunstância à esquerda deste mundo e do outro, aqueles cujos deputados se sentam à volta da representação do Partido os Verdes?

Há, realmente, uma grande diferença entre governar e falar. Os tempos mostram isso, todos os dias. Porque é nas crises que isso se vê melhor. Porque as crises têm o condão de dissipar o nevoeiro.