25.9.07

Vida Artificial, o que é isso? (4/4)

O jogo da vida. O “Vida”, concebido por John Hoston Conway em 1970, é um autómato celular (AC) – simples, mas suficiente para referenciar os princípios gerais básicos dos AC.

Um AC é constituído por uma rede de células (um universo). Damos agora um exemplo de 3 linhas por 5 colunas. Cada célula pode estar activa ou inactiva. Neste exemplo, as células 22, 23 e 24 estão activas e todas as demais estão inactivas. A cada célula interessa o seu próprio estado e o estado das suas vizinhas imediatas (na vertical, na horizontal e na diagonal).



O “Vida” tem 3 regras:
(i) uma célula inactiva que tenha como vizinhos 3 células activas, torna-se activa;
(ii) uma célula activa que tenha como vizinhos 2 ou 3 células activas, mantém-se activa;
(iii) em qualquer outro caso, uma célula torna-se ou permanece inactiva.

Uma interpretação possível destas regras é, em coerência com a designação de “jogo da vida”, a seguinte: para que haja nascimentos, tem de haver uma certa densidade populacional; as células não sobrevivem em isolamento extremo; uma densidade populacional demasiado forte não permite a sobrevivência.

O “Vida” funciona por etapas (gerações), sendo que em cada geração se aplicam todas as regras a cada célula. Calcula-se assim para cada célula o seu estado na geração seguinte e, quando esse cálculo está completo, procede-se à transição. Vamos aplicar esse procedimento ao exemplo apresentado acima e teremos a seguinte “geração 2” (em cada célula, indica-se o número de vizinhos activos que ela tinha na geração 1):



Tal como ilustrado neste caso, um AC tem três propriedades fundamentais:
- paralelismo: todas as células mudam de estado simultaneamente e independentemente umas das outras;
- localismo: a mudança de estado de uma célula depende apenas do seu estado inicial e da sua vizinhança imediata;
- homogeneidade: as leis são universais (comuns a todo o espaço do AC).

Um exemplo da dinâmica do "Vida". Apresentam-se a seguir as primeiras gerações de um padrão, chamado “planador”, que funciona precisamente segundo as regras anteriormente descritas.



O “planador” volta à forma original ao fim de quatro gerações, deslocando-se no “universo” – e assim continuará geração após geração.

Um outro tipo interessante de padrão é aquele em que uma configuração "invade" outra, o que pode ter várias consequências, uma delas sendo o desaparecimento de uma das configurações e a permanência de outra (aquela é "comida" por esta). É o caso no exemplo seguinte.



Muitos investigadores em VA dão muita importância aos autómatos celulares, que consideram processar informação da mesma forma que os seres vivos: em paralelo (muitas pequenas unidades processando informação simultaneamente), de baixo para cima e com um controlo completamente local do comportamento – e que consideram, através destas propriedades, capazes de auto-reprodução. O “Vida” é, no entanto, apenas um exemplo dos mecanismos computacionais utilizados neste domínio.

O desenvolvimento do computador abriu novos caminhos à matemática, mostrando um conjunto desconcertante de estruturas que não podiam sequer ser imaginadas há vinte anos sem a capacidade do computador para mostrar imagens. O computador é agora como foram antes o telescópio e o microscópio: também esses deram imagens duvidosas e a desconfiança que agora tenhamos acerca da realidade do que nos mostra o computador pode ser apenas uma replicação do mesmo fenómeno. Isto levanta de novo a questão da relação entre a matemática e a realidade. O que os experimentadores em VA consideram é que o que os computadores nos mostram é a biologia do possível, vida artificial que também ela tem de respeitar as leis universais da auto-organização e da evolução.

Que dizer dessa ideia? Quimera? Ou algo que pode estar ao virar da esquina?


MAIS COISAS:


Quem queira experimentar um pequeno programa com uma versão muitíssimo limitada do "Vida", usando os seus próprios padrões, pode ir aqui. Antes de iniciar o autómato, clicar com o rato nas "células" (casas) do "universo" (grelha) que se querem preenchidas para ter uma "criatura" inicial. Clicar numa célula já preenchida faz com que ela fique vazia. Depois carregar na seta verde "press to start" para iniciar o processo. Quando já não acontecer mais nada, clicar no quadrado vermelho "press to stop". Experimentar várias figuras. Este simples programa não permite analisar o desenrolar do processo.

Quem tenha um pouco de paciência para experimentar software, encontra uma excelente versão, muito mais complexa e muito mais rica, do "Vida", nesta página, e completamente à borla: Life32 by Johan Bontes: Conway's Game of Life freeware . A ideia é descarregar, instalar, ler as instruções - e tornar-se mais um pequeno deus das máquinas de vida artificial.


Quem queira ter uma visão actualizada do que se tem andado a fazer em "Vida Artificial" nos últimos anos, pode ler a versão escrita da apresentação de Luis M. Rocha (da Universidade de Indiana, nos EUA, e do Instituto Gulbenkian de Ciência) à ECAL 2000: Reality is Stranger than Fiction. What can Artificial Life do about Advances in Biology? Clicando aqui pode ler a versão html. Clicando aqui pode descarregar a versão pdf.



Quem tenha algum treino filosófico-científico, ou queria começar a tê-lo, e queira aceder a uma perspectiva que, sendo favorável à Vida Artificial, tenta não cair em grandes ingenuidades, pode com proveito ir à página de Peter Cariani (que tive o gosto de encontrar há dias em Lisboa, na ECAL 2007) e descarregar o seguinte texto: Peter Cariani, “Emergence and artificial life”, in Christopher G. Langton, Charles Taylor, J. Doyne Farmer, Steen Rasmussen (Eds.), Artificial Life II, Addison-Wesley, Redwood City, pp. 775-797 .