30.4.13

no jardim da filosofia.


NO JARDIM DA FILOSOFIA é uma série de curtas entrevistas sobre tópicos filosóficos, com carácter elementar e introdutório. Os entrevistados são principalmente filósofos ou estudiosos das áreas sobre as quais são entrevistados. As entrevistas são realizadas pelo filósofo e (muito activo) professor de filosofia Aires Almeida. O projecto conta com o apoio da Didáctica Editora. As entrevistas aparecem em vídeo num canal próprio no YouTube.

Com os parabéns ao Aires Almeida, votos de proveitosa vida para o projecto - e também orgulhoso de ter sido incluído na primeira leva, deixo-vos a minha participação NO JARDIM DA FILOSOFIA. (Há um pequeno erro nas minhas palavras: quando falo do problema das "torres de Saigão", devia dizer "das torres de Hanói".)


29.4.13

o congresso do PS.

12:11

O XIX Congresso do PS parece que correu bem. Eu, que sou do clube mas me mantenho em geral distante das operações, continuo a pensar que falta qualquer coisa. Aliás, penso isso há muitos anos. Um texto que subscrevi em 2004, para o XIV congresso da agremiação, é capaz de dar a entender o que me parece que falta:

1. Numa democracia representativa moderna não é possível governar com visão de futuro sem uma maioria sólida. Não podemos voltar a cometer o erro de não perceber isso. Por isso, o PS deve repensar a forma de assumir o seu lugar e as suas responsabilidades políticas na democracia portuguesa. Cabe hoje ao PS responder aos desafios da modernização solidária do país com uma conjugação inovadora dos papéis de partido moderado e de partido de esquerda.

2. O PS é um partido moderado pela sua vocação para construir consensos sólidos em torno de grandes desígnios nacionais. Como partido moderado, o PS deve apostar em congregar forças para grandes desígnios nacionais que não podem ser prosseguidos apenas nos limites temporais de uma ou duas legislaturas e cuja concretização não deveria ser prejudicada pelo exercício normal da alternância democrática. Exemplos: desafios do envelhecimento demográfico e novas políticas de imigração; reforma democrática do Estado; estratégia de desenvolvimento sustentado; qualificação das pessoas e das instituições; prioridade às áreas sociais essenciais a uma modernização solidária; igualdade entre homens e mulheres.

3. Ser “moderado” não é ser “centrista”: o PS é um partido de esquerda. Cabe-lhe a responsabilidade de fazer funcionar o sistema de alternativas dentro do regime. Não basta garantir a rotatividade, que o eleitorado entende como um fracasso do sistema de partidos em permitir ao povo que possa escolher.
Somos uma esquerda com raízes: nas lutas do passado, no muito que este Partido já fez pelo país, no compromisso com a justiça social. Mas a esquerda necessária é uma esquerda com futuro: capaz de compreender os desafios do momento presente e de encontrar para eles respostas inovadoras, sem se esconder na mera retórica ou em máximas ideológicas. Por isso queremos que o Partido Socialista seja uma esquerda com raízes e com futuro, que desafie o melhor da inteligência criadora, da capacidade de empreender, da coragem de arriscar.

4. Como partido de alternativa, o PS deve definir com clareza o objectivo de alcançar a maioria absoluta dos deputados nas próximas legislativas, para poder ser claramente responsabilizado pela governação e por ela ser julgado.

5. O PS não pode esconder-se atrás da sua pretensão a uma maioria absoluta. Temos de ser capazes de oferecer ao país governos estáveis de legislatura, mesmo que não alcancemos uma maioria absoluta. O PS deve dizer claramente ao país que, para o caso de não ter maioria para governar, procurará construir as condições para fazer as alianças necessárias. À esquerda. Para isso, o PS deve desafiar os outros partidos da esquerda parlamentar para o debate público da governação. Para que as políticas de um futuro governo de esquerda não fiquem reféns de qualquer eleitoralismo ou retórica de facilidades.
O PS não tem medo da “cultura de governo”. A esquerda consequente não teme as responsabilidades da governação. Entre o PS e outros partidos de esquerda há divergências importantes que teriam de ser resolvidas para que uma convergência em termos de políticas governativas fosse possível. O debate da governação à esquerda não será, provavelmente, fácil. Mas é necessário.
Exemplos:
(a) Uma vez que parte da “governação de Portugal” é “governação europeia”, qualquer governo em que participassem outros partidos de esquerda só seria viável na base de uma convergência estratégica a favor do empenhamento europeu de Portugal e no objectivo de melhor fazer valer na UE as orientações políticas que importam à modernização solidária do nosso país.
(b) Aqueles que opõem competitividade e direitos dos trabalhadores prestam um mau serviço ao país. Sem aumento da competitividade, os direitos dos trabalhadores tenderão a esvaziar-se e cada vez menos se traduzirão em bem-estar. Sem respeito pelos direitos dos trabalhadores, os factores de competitividade não serão sustentáveis no exigente espaço europeu em que nos integramos. É preciso encontrar para esta equação soluções políticas que recusem qualquer tipo de imobilismo de raiz ideológica.
(c) A modernização da administração pública é essencial ao reforço dos poderes públicos no cumprimento cabal das suas responsabilidades. A direita, em vez do esforço exigente de criar novas culturas nas organizações, prefere as falsas soluções da facilidade ideológica: enfraquecer, desmantelar, privatizar. Mas a esquerda não pode tornar-se no aliado involuntário dessa direita, ignorando parâmetros importantes do problema. Para promover uma cultura de missão e de aferição pelos resultados, é preciso encontrar respostas à desmotivação e antídotos para a desresponsabilização, sem temer uma avaliação de desempenho que seja justa e tenha consequências.
Cabe ao PS desafiar os outros partidos de esquerda, pelo combate político aberto e franco, para encontrar soluções que optimizem as possibilidades de modernização solidária do país.

6. A democracia nunca está definitivamente garantida. A qualidade da democracia é um trabalho continuado. Este congresso do PS deve aprofundar o nosso empenhamento nesse combate, fazendo sempre cada vez mais do próprio PS um factor de credibilização do sistema político. Por exemplo, face ao crescente facilitismo com que se encara a “livre circulação” entre o Estado e os interesses privados, os socialistas devem assumir um compromisso claro com os portugueses quanto ao entendimento que fazem do que é o exercício honrado dos cargos públicos. Devemos mostrar ao país que a democracia interna é uma força e não uma fraqueza do PS. Que este partido é capaz de acolher novos protagonistas, de lidar abertamente com homens e mulheres com voz própria, com a independência da verdadeira inteligência. Devemos mostrar que o nosso combate é Portugal, a modernização solidária, o desenvolvimento com coesão. A democracia só pode reforçar-se se os portugueses compreenderam que é isso que move a política. Que move os socialistas.

O texto transcrito era uma síntese de uma Moção ao XIV Congresso Nacional do Partido Socialista, intitulada "Uma esquerda com raízes e com futuro", da qual fui primeiro subscritor. Uma batalha sem glória nem resultados, mas que continuo a pensar que dizia coisas que continuam a fazer falta ao PS. Encontra-se o texto completo aqui. Às vezes tem piada verificar até que ponto o que expressamos num dado momento se desactualiza ou se mantém pertinente (do nosso próprio ponto de vista) passados anos (neste caso, passados quase dez anos.)

27.4.13

credo, eleições.

19:09

“Vertigem e obsessão por eleições” estão a condicionar o PS, diz Moreira da Silva.

Também concordo que os partidos democráticos não devem ser eleitoralistas. Quero dizer: não devem afirmar, irresponsavelmente, e apenas para tentarem ganhar eleições, aquilo que não possam respeitar quando forem governo. Mas, quanto à recente descoberta do PR, e agora do número 2 de Passos, de que as eleições são para estar quietinhas no seu sítio para não incomodarem o governo, várias perguntas se me colocam.
Cavaco só descobriu o valor da estabilidade quando os partidos que o apoiam chegaram ao governo? O PSD só descobriu agora o perigo do eleitoralismo, depois de ter provocado uma crise por interesse partidário e de ter ganho eleições a cavalo numa ementa de mentiras?
Além dessas perguntas, corriqueiras, ocorre-me outra: os eleitores deverão ser impedidos de concluir que foram enganados nas últimas eleições? Os eleitores deverão ser impedidos de concluir que o governo em exercício é uma nódoa? E se a rejeição popular for esmagadora, podemos ignorar isso?
Eu até escrevi aqui, recentemente, que não julgo razoável que o PS ande insistentemente a pedir eleições, como já fez, porque não acho que esteja consolidado como alternativa, havendo muito trabalho de casa a fazer nesse sentido. E mantenho essa posição. Mas, e Seguro esteve bem ao afirmá-lo com clareza, é vital para a democracia que haja alternativa. E ela é tanto mais urgente quanto mais maléfico é o trabalho do governo. E, por vezes, a dimensão do desastre opõe-se aos calendários e à própria estabilidade, que não é um fim em si, mas um valor instrumental. Tentar diabolizar as eleições é politiquice: politica da boa seria, da parte do presidente e do governo, trabalhar para que o seu desempenho não dê aos portugueses ganas de os correr antes do calendário. Infelizmente, governar bem é mais custoso do que ameaçar com o papão. Embora a instabilidade possa, de facto, ser um papão. Aliás, o papão que foi a causa mais imediata do "resgate", diligentemente empurrado pela voracidade dos que agora se agarram apenas à estabilidade, como se fosse o valor único. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas às vezes sem que mude nada a (falta de) qualidade dos actores.

26.4.13

O "erro de Cavaco" e a resposta do PS.

12:55

Cavaco Silva usou o discurso de comemoração do 25 de Abril no Parlamento para se assumir como Presidente dos seus eleitores, do seu partido e do seu governo, acabando com as ilusões de que os Presidentes da República são "presidentes de todos os portugueses". Isto torna Cavaco substancialmente diferente de outros presidentes? Sim e não.

Todos os presidentes estiveram sempre com a mente nos seus eleitores, evitando afrontar a sua base de apoio mais sólida. O ponto é que fizeram isso inteligentemente: não expunham directamente as diferenças com os seus adversários políticos e evitavam alardear os seus passos que teriam mais conotação de facção. E guardavam o exercício das suas preferências para os momentos verdadeiramente decisivos, evitando gastar cartuchos ao virar de cada esquina. A única excepção virtuosa a este modelo terá sido Jorge Sampaio, que apadrinhou a substituição de Durão Barroso por Santana Lopes contra a sua base de apoio política, simplesmente porque achou que colocar um português à cabeça da Comissão Europeia era importante para os interesses nacionais. Portanto, num certo sentido, quando Cavaco Silva se mostra agora como presidente de facção, ele não foge muito à regra. Nesta acepção, só foge à regra por manifesta falta de habilidade.

Noutro sentido, este discurso de Cavaco, alinhando-se quase acriticamente com o governo, é uma novidade quase absoluta no exercício presidencial. O ponto é que Cavaco faz um discurso que deveria ser entendido como um mea culpa. O presidente, depois de ter feito discursos que só poderiam ser entendidos como críticas à política austeritária (deste governo e dos últimos anos de Sócrates) e como censuras claras às responsabilidades da Europa na crise, vem dizer que a única fórmula política de momento é esta – e, pior, que qualquer outra fórmula política poderia mudar as moscas, mas não a matéria. E lança uma censura, despropositada em qualquer democracia, à própria existência de oposição, criticando genericamente os críticos como demagogos e fazendo desde já o programa de qualquer outro governo: fazer basicamente o mesmo. Cavaco, se assim pensa, deveria ter pedido desculpa por ter andado há muito tempo a pronunciar-se contra esta política: muitas das críticas da esquerda já foram feitas, em algum momento, pelo presidente Cavaco Silva.

Qual é, então, a explicação para Cavaco ter partido a loiça desta maneira, fazendo um discurso manifestamente partidário? A meu ver, essa explicação reside no pior dos piores defeitos de Cavaco. Cavaco Silva tem um umbigo demasiado grande. Acima da sua função no Estado, acima do seu partido, acima dos seus eleitores, acima dos seus amigos, está a sua sacrossanta pessoa. Cavaco pensa, antes de mais, em si próprio. Em vez de pensar na melhor maneira de desempenhar a sua função (gerir e criar as pontes possíveis entre diferentes interesses e valores neste momento tão difícil), Cavaco procura afastar de si o cálice da tormenta. Cavaco, que deveria saber manobrar suficientemente bem para ter evitado os piores erros do governo (designadamente, estancando a soberba e arrogância com que PPC sempre tratou o PS e sendo consequente nas críticas à cegueira política de certas opções), falhou aí e agora exige: não mexam nas peças que eu não sei como jogar. Colar-se ao governo neste momento quis apenas dizer uma coisa: eu não sei o que fazer para sairmos daqui, portanto, façam o favor, mantenham-se nos seus lugares com os cintos de segurança apertados. Cavaco, parecendo proteger o governo, afinal entregou-se nas suas mãos: vamos todos fingir de mortos a ver se a coisa passa sem danos de maior. Afinal, o discurso de Cavaco foi, simplesmente, um discurso situacionista. Azar dele: neste momento, é mesmo “a situação” aquilo que ninguém suporta. O discurso de Cavaco é situacionista precisamente porque só quer dizer isto: não faço ideia do que se segue, portanto não me culpem por qualquer tentativa de mudar isto. “Isto” está mal, mas eu não posso responsabilizar-me por nenhuma tentativa de sair daqui. Foi apenas para dizer isto que serviu – a Cavaco – o discurso de Cavaco: não é culpa minha.

Há, contudo, outro aspecto interessante da questão: por que se permite o PR fazer este discurso agora? Até dizem que ele e o SG do PS têm alguma empatia. Mas isso não serviu de nada. Por quê? A meu ver, a resposta é esta: de facto, Cavaco não espera que o PS seja capaz de fazer diferente. O PS aparece demasiado centrado em propor remendos – e é duvidoso que os remendos resolvam o problema. O PS está demasiado distante das outras forças políticas e sociais (partidos, sindicatos e movimentos) que poderiam, em conjunto, criar a base social de apoio para desafiar os deuses dominantes na Europa. O PS tem muitas ideias alternativas, mas, avulsas, um governo PSD/CDS mais competente poderia perfeitamente aceitá-las e integrá-las, sem realmente precisar de mudar de fórmula política. O PS engrossou a voz mas não se tornou mais alternativa por causa disso. Nestes termos, o PS não merece respeito a Cavaco. Culpa de Cavaco, claro, que nunca teve força para evitar a arrogância passista que atirou Seguro para longe da conversa; mas, também, culpa do PS, que a muitos parece condenado a ser uma visão adocicada e mais beata desta política actual.

Entretanto, começa hoje o Congresso do PS. António José Seguro prometeu que o Congresso dará resposta suficiente a Cavaco. Espero bem que sim, porque o PS precisa de constituir uma força suficientemente poderosa para fazer qualquer PR pensar duas vezes antes de dar as bofetadas que Cavaco ontem deu à oposição.

25.4.13

é o amor.



Fui ver o último João Canijo. "É o Amor". As mulheres dos pescadores de Caxinas. (Ok, para saberem o que dizem as sinopses dos críticos procurem noutro sítio, que eu não sou crítico. Passo à minha visão do objecto.)

Pode parecer um documentário, à primeira vista. Se fosse um documentário, não seria grande coisa: o tempo não é de documentário. É, isso sim, um ensaio e, convenientemente, tem o tempo de ensaio: tempo de deixar tempo para pensar para além das imagens. Quando as imagens encharcam, isso é para nos dar a oportunidade de pensar mais qualquer coisa.

É nesse espaço que surge o filme: em grande parte construído pela actriz Anabela Moreira, que é também o nome da sua personagem. Pergunta-se: que tem isso de interessante, se todas as outras pessoas que aparecem estão com os seus próprios nomes - e se isso deve indicar que é mesmo um documentário? Pois, nem tudo o que parece é. A Anabela Moreira, depois de ter construído, com a sua pertença lá, toda a situação que permite o filme (familiarizando-se com as outras mulheres), constrói depois, dentro dessa bolha, toda uma história, toda uma questão. Ela é o peixinho fora de água, no meio de pescadoras que fazem pela vida digerindo as angústias que ela tem como mulher e profissional, cabendo-lhe a ela montar toda a história que faz do filme aquele filme. A história da actriz urbana que se descobre peixinho fora de água perante mulheres de raça. E, claro, a "Mestre", a mulher de pescador, Sónia Nunes, também está a representar, não está só a ser "a Sónia Nunes", está a ser aquela personagem e faz isso muito bem (mesmo que não saiba fazer a teoria do que ali fez).

Visto mais de longe, "É o Amor" é um encontro de raspão entre dois mundos, sendo que o planeta é que rasga o cometa: o cometa vem em grande velocidade, de fora do sítio, para ver as dificuldades de Caxinas, mas é o cometa que acaba impressionado. Perante a força de quem, à partida, pensaríamos ser "o elo fraco", mas se revela o elo forte, porque não há tempo para dar de comer à dor.

Um filme mais difícil do que parece à primeira vista, mas, sem dúvida, um João Canijo. O que o torna obrigatório.




o primeiro dia.




Tanto Mar.


Foi bonita a festa, pá.



as mãos.




Poema de Manuel Alegre com musica de Adriano Correia de Oliveira.

a poesia está na rua.




o dia inicial.





Palavras de Sophia de Mello Breyner, ditas por Ruy de Mattos e cantadas e acompanhadas ao piano por Isabel Cid.

A galopar.


¡A galopar,
a galopar,
hasta enterrarlos en el mar!



firmeza.





Sem frases de desânimo,
Nem complicações de alma,
Que o teu corpo agora fale,
Presente e seguro do que vale.

Pedra em que a vida se alicerça,
Argamassa e nervo,
Pega-lhe como um senhor
E nunca como um servo.

Não seja o travor das lágrimas
Capaz de embargar-te a voz;
Que a boca a sorrir não mate
Nos lábios o brado de combate.

Olha que a vida nos acena
Para além da luta.
Canta os sonhos com que esperas,
Que o espelho da vida nos escuta

---------------------------------------------------------
Letra: José João Cochofel / Música: Fernando Lopes-Graça

acordai.

(hoje vou ficar por aqui todo o dia a lembrar um mosaico de palavras e sons)



Acordai
acordai
homens que dormis
a embalar a dor
dos silêncios vis
vinde no clamor
das almas viris
arrancar a flor
que dorme na raíz

Acordai
acordai
raios e tufões
que dormis no ar
e nas multidões
vinde incendiar
de astros e canções
as pedras do mar
o mundo e os corações

Acordai
acendei
de almas e de sóis
este mar sem cais
nem luz de faróis
e acordai depois
das lutas finais
os nossos heróis
que dormem nos covais
Acordai!

---------------------------------------------------
Música: Fernando Lopes Graça
Poema: José Gomes Ferreira
Interpretação: Coro de Câmara Lisboa Cantat

24.4.13

actos, em vez de apenas palavras.

11:46

António Costa diz que Governo não tem “base legal” para privatizar Carris e Metro.

Segundo o Público, «António Costa afirma que o Governo não tem “base legal” para privatizar a Carris e o Metropolitano de Lisboa, “activos que pertenciam ao município e de que o Estado se apropriou por via da nacionalização”, e avisa os investidores interessados no negócio que está disposto a recorrer aos tribunais para o travar. (...) O presidente da autarquia critica o facto de esta não ter sido chamada a pronunciar-se sobre a decisão de privatizar a Carris e o Metropolitano de Lisboa, nem sobre o modelo de concessão que se pretende adoptar, nem tão pouco sobre “as opções estratégias que estarão na base de tal decisão unilateralmente tomada pelo Governo”. (...) O autarca recorda que “a titularidade dos serviços de transporte público operados pelo Metropolitano de Lisboa e pela Carris pertencia desde a sua criação ao Município de Lisboa”, tendo a sua “estatização” decorrido de “actos de nacionalização decretados em momento anterior à entrada em vigor da actual Constituição da República Portuguesa”. Sendo que, sublinha António Costa, “o Estado ainda não indemnizou o Município de Lisboa pela nacionalização dos activos”.»

Parece que é possível contrariar o "vale tudo" agindo dentro das instituições, dentro da lei.

23.4.13

das entranhas da cidade sairá tanta vida.


Este vídeo explica qual a razão pela qual não podem perder esta oportunidade.




22.4.13

"Mais participação, mais PS".

21:11
Um grupo de gente tomou uma iniciativa de debate, no quadro do próximo Congresso do PS, que merece a nossa atenção. O documento pode ser lido aqui.


TOKYO DAYORI.


Um dos blogues que vou começar a seguir. A começar nos próximos dias.



21.4.13

20.4.13

um dia de raiva.

00:02



Um Dia de Raiva, só até domingo no Teatro Meridional, em Lisboa. Pensar nas nossas crises, apesar de tudo com um enorme sentido de humor. Onde se prova que rir pode ser uma coisa muito séria. Vale a pena ver. Destaco a paródia ao Facebook, que é simplesmente genial.

14.4.13

assim se vê a força do PS ?

17:03

António José Seguro reeleito secretário-geral do PS com 96% dos votos.

AJS assim o quis: aparentemente, aqui há meses, assustou-se com a ideia de haver um congresso do PS mais disputado, com a liderança em causa. Foi tal o susto que montou um drama, no qual mandou os seus próximos acusar de deslealdade aqueles que, supostamente (crime de lesa SG!), quereriam disputar a eleição. António Costa fez o que ele queria: sentou-se à mesa e, por umas quantas linhas na moção de orientação, calou-se. Seguro tem agora a unanimidade eleitoral que procurou. Entretanto, já andou a pedir eleições antecipadas e já se voltou a esquecer disso. Hoje, com a notícia de uma eleição esmagadora do actual SG como próximo SG, cabe perguntar: o que diabo levou Seguro a pensar que seria melhor para o PS uma eleição e um congresso sem história e sem espinhas?
Por que será que a maioria dos políticos portugueses adoram águas paradas em sua própria casa?
Infelizmente, há neste país muita gente a quem as dificuldades do debate democrático parecem muito inconvenientes - em vez de aí reconhecerem a única seiva que pode manter viva a árvore.

13.4.13

Alberto João vai pintar 200 obras para substituir Paula Rego.




Duas centenas de obras de Paula Rego deixam Portugal.

Lê-se ou vê-se (em vários órgãos de comunicação social) e não se acredita: com a extinção da Fundação Paula Rego, a artista pediu a devolução de todas as pinturas, desenhos e aguarelas que tinha em Portugal como empréstimo à Casa das Histórias.

A extinção da Fundação Paula Rego foi mais uma consequência dos foguetes que este governo lança para fazer de conta que faz alguma coisa para lá de nos apertar o gasganete e roubar a esperança. Claro que ninguém tocou, por exemplo, na Fundação Social Democrata da Madeira: Jardim pode começar a pintar, a ver se consegue substituir as obras de Paula Rego.


os homens de Barroso andam por aí.

12:11

Notícias há que dão os "barrosistas" a querer preservar Miguel Relvas e a pretender que ele continue a ter um lugar de destaque no PSD. Se calhar, esse manter-se em jogo no tabuleiro nacional tem uma explicação: José Manuel ainda não estará certo de que consiga o lugar internacional pelo qual luta (talvez com mais afinco e método do que luta pela Europa, o que também não é difícil) e, assim sendo, ainda não desguarneceu completamente a frente portuguesa (porque ser candidato a PR pode ser uma alternativa, se todos os outros cenários correrem mal).

Tal como tem usado a sua posição na Comissão Europeia para espalhar pelo mundo, como embaixadores, amigos que, em pontos vitais da cena internacional, puxam o lustro à ambição barrosista de ser secretário-geral das Nações Unidas, o mesmo homem tem usado a mesma posição para espalhar amigos em Portugal. Não vou agora falar dos que se espalham pelos gabinetes ministeriais onde "ser da troika" ou "ser do governo" são condições difíceis de distinguir. Indo, de momento, por outro lado, vale a pena ler a notícia abaixo, publicada hoje no Expresso. Ela relata algo que nos deveria escandalizar acerca do chefe da representação da Comissão Europeia em Portugal.

Aliás, sobre o referido representante da Comissão Europeia em Lisboa, valeria a pena investigar como chegou ele a esse posto (aliás, valeria mesmo a pena investigar como chegou à própria representação da Comissão em Lisboa), que concursos passou (ou não passou) para ascender a essa posição - e, se chegou lá sem ter passado por nenhum concurso que o habilitasse a tal, como é que isso se explica. Indo mais longe em direcção ao passado, até se poderia ir investigar se, na sua qualidade de funcionário do "executivo comunitário", não terá cometido nenhuma falha grave nesse estatuto, especialmente à luz da sua ocupação como membro de uma espécie de "representação diplomática" no nosso país - a saber, figurar num órgão da candidatura presidencial do actual inquilino de Belém sendo funcionário no activo daquela instituição comunitária.

Enfim, histórias da rede do barrosismo - que não ficarão eternamente por contar.


(clicar na imagem amplia)

11.4.13

não havia necessidade.

17:02

A Junta de Freguesia do Troviscal, Oliveira do Bairro, anunciou ter uma oferta de trabalho para Miguel Relvas, mediante ordenado mínimo e contrato a termo, já que a freguesia é extinta no final do ano.

Isto informa o Diário de Notícias. E mais informa que "O 'anúncio' foi colocado na última edição do Jornal da Bairrada pelo presidente da Junta, Adelino Cruz, independente eleito pelo CDS". E mais: "A criação da 'vaga de emprego' para Miguel Relvas, que mereceu parecer favorável dos restantes elementos da junta, é para desempenhar tarefas como operador de máquinas, à experiência e mediante contrato a termo certo, até outubro, porque no final do ano está determinada a extinção da freguesia."

Pois bem, é sabido, no círculo restrito dos que me lêem (e, eventualmente, ouvem) que não tenho grande apreço por Miguel Relvas. Nem grande nem nenhum, ponto. Mas, francamente, não acho de todo graça à graçola do presidente de junta. De um modo ou de outro, um órgão político deste Estado que é de todos decidiu usar essa qualidade para achincalhar um político, no caso, um ministro parece que demissionário ou a pensar ser demissionário. Uma junta, que é uma parte do Estado, poderia aprovar moções, protestos e sei lá mais o quê para dar voz à indignação das populações que representa, fosse essa indignação justa ou injusta. Mas divulgar um falso anúncio de emprego, usando - acho eu, indevidamente - o nome da junta, parece-me simplesmente uma palhaçada. Tenho, aliás, dúvidas - mas não sou jurista - de que a brincadeira seja legal.

Já agora, tinha piada se Miguel Relvas se apresentasse a aceitar o lugar. Era uma cena que eu gostaria de fazer, se estivesse no lugar dele. Mas não estou certo de que ele se leve tão na desportiva como eu tento levar-me a mim.

Mas o que interessa não é isso. O que interessa é que há muita gente espalhada por esses capilares do Estado que pode ser muito esforçada e muito útil às populações, mas sem chegar a perceber que os órgãos de poder não devem ser brinquedos que cada um usa como bem entende. Porque as pequenas palhaçadas legitimam as grandes. E as grandes e as pequenas, todas juntas, poluem muito este ar que escasseia.

logo à noite.

10.4.13

o provável próximo discurso de PPC (escrito por RAP).


Excertos:
Portugueses:
O Governo, preocupado com o aumento do desemprego, criou legislação que permitiria reduzir a taxa de desemprego em cerca de 50 por cento. Era uma medida corajosa que consistia no seguinte: executar, com um tiro na nuca, 500 mil desempregados. Mais uma vez, o tribunal rejeitou a medida por violar aquilo a que os juízes chamam, naquele jargão jurídico impenetrável, a "lei".
(...)
O sonho de Francisco Sá Carneiro era: um Governo, uma maioria, um Presidente. Eu (...) sonho um pouco mais alto: só me satisfaço se puder governar com um Governo, uma maioria, um Presidente e a Constituição de 1933. Com a que temos neste momento, que vigora há mais de 30 anos e foi aprovada com os votos do partido a que presido, descobri agora que é impossível.
O ainda primeiro-ministro,
Pedro Passos Coelho

Ricardo Araújo Pereira na Visão de amanhã.


Visita ao estúdio de Francis Bacon.


(Republico aqui um texto que saiu antes na página da plataforma MILPLANALTOS.)

Perry Ogden, Photographs of Francis Bacon’s Studio at 7, Reece Mews. 1998


Visitei o estúdio do falecido Francis Bacon. Acho justificada a minha curiosidade de visitar o estúdio de um morto, desde o momento que se saiba que Francis Bacon nasceu no mesmo ano que eu. Não pelo seu nascimento original, mas pela sua última morada inabitual e último local de trabalho até à morte física confirmada desse animal que pintava. Foi o seu último nascimento, a última vez que o pintor da Irlanda em Londres mudou de ovo permanentemente.

Cada quadro teu produz, além do espanto que parte e reparte sem que ninguém fique com a melhor parte, uma legião relativamente desordenada de novos habitantes do mundo: manchas de tinta nas portas do estúdio, que fazem um índice das cores que rodeiam as cores do quadro; as fotografias que justificam as tuas ideias como pintor, que os críticos astutos colocam entre os materiais da tua invenção, que tu, cúmplice, rasgas ou amarfanhas para parecer que estavam lá antes da pintura, porque queres deixar uma pista enganadora sobre a viagem das coisas entre a causa e o efeito, como se os objectos criados pela tua pintura estivessem lá antes, em vez de nascerem como superabundância que escorre do que tu pintas.

As pessoas vêem que tu não pintavas só com pincéis, que deitavas mão a rolos, claro, mas isso, se te aproximava de um pintor de paredes, não chegava ainda a merecer menção; pintavas também com meias velhas, com pedaços de guardanapos (quem sabe de que banquetes) e com veludos; com pedaços de carne talvez não, a análise dos pigmentos nunca deu essa pista, a carne animal estava só na representação. Esse, mais um, ingrediente do caos, não ajuda a perceber a confusão que se instalou nos intérpretes acerca da ordem em que as coisas vêm ao mundo. As sinistras fotografias de cadáveres que restaram da violência naquela prisão americana que bem sabes, também essas fotografias criadas pelas tuas pinturas, que alguém disfarçou de material preparatório, perturbam-me, porque me perturba sempre a tentativa de forçar a seta do tempo a andar na direcção errada. Neste caso, ao contrário das fotos dos teus amantes, que acho magnífico que tenhas criado pintando, é quase criminoso que tenhas transformado essas ideias de cadáveres violentados em papel fotográfico, em imagens que até têm outro autor, conhecido e de nomeada, para aprimorar o distúrbio ontológico, e esse quase crime está num ponto simples que a tua voragem criadora não acautelou: é impossível saber se essas imagens, além de como fotos escorrerem da tua pintura, não prosseguiram o delírio do Ser ao ponto de terem criado aqueles cadáveres, aquela prisão, aquela chacina, até aquele Truman Capote que testemunhou tudo, dando ao teu acto de criação do mundo uma testemunha mundana.

Desorienta-me que se conte a história do mundo ao contrário da seta do tempo.

Francis Bacon tinha no estúdio uma fotografia de um homem que escreve enquanto a parte inferior do seu corpo se encontra entre as mandíbulas de um crocodilo morto.

Bruno Latour, esse teórico da sociedade como associação sempre em curso, como redes de forças, diria que não há crocodilos mortos, que um morto (crocodilo ou não) não empurra nada nem ninguém para fazer seja o que for e que qualquer coisa que não faz força alguma para que alguma outra coisa tenha uma acção segundo o seu impulso, essa coisa praticamente não existe. Vemos pouco as coisas paradas, fomos evolutivamente desenhados para dar atenção ao que se move, porque pode ser uma presa ou um predador, já as coisas paradas somem-se da vista, como se entrassem no nevoeiro da imaginação poética que nada faz ao mundo. Se não há crocodilos mortos, como pode estar um homem a escrever com a parte inferior do seu corpo entre as mandíbulas de um crocodilo morto? Isso seria uma coisa existente, praticamente existente, um homem que escreve, mesmo que faça pouco ao mundo, entre as mandíbulas de uma coisa inexistente, um crocodilo morto.

É certo que nos sentimos inúmeras vezes entre as mandíbulas de coisas inexistentes.

Contudo, a monarquia britânica não cessa de existir quando todos os membros da família real dormem e nenhuma cerimónia própria da instituição está em curso, porque as prerrogativas e os poderes permanecem, mesmo que não estejam a ser exercidos pelas quatro da manhã de uma qualquer terça-feira. Que a rainha durma, que durma o príncipe herdeiro na cama da sua mulher ou da sua amante, que durmam, por hipótese, todos os vivos na linha da sucessão, ainda assim a monarquia existe de forma contínua. Afinal, que diferença há entre uma casa real que dorme e um crocodilo morto, se ambos podem abrigar a parte de baixo do corpo de um homem que escreve. E, contudo, Latour insistiria, acho eu, que não há crocodilos mortos.

Com a tua pintura criaste um mundo que se passeia entre nós para além do alcance da tua mão e agora não te preocupas, decerto, em saber como se trata do animal e das suas manhas: nem imaginas o preço de lhe dar de comer, já para não falar das dificuldades de explicar a coisa quando o nosso filho pergunta porque é que o animal pendurado no talho parece um cardeal e está ali na parede à nossa vista.

Das tuas pinturas saíram como filhas (esta é uma história em episódios inumeráveis) as fotografias de Muybridge, que ficaram conhecidas como uma enciclopédia de imagens do corpo humano em actividades diversas; da superfície enganadoramente quieta dos teus quadros nasceram as infinitas sucessões de imagens, quase fílmicas, de toda a espécie de torsões e convulsões que os corpos humanos fazem, nascendo a carne em movimento de ideias que não encontram repouso e que tu pintavas em cima da ginástica da alma humana enquanto alma animal enquanto alma capaz do pior das almas dos deuses.

A tua biblioteca de páginas arrancadas a livros e revistas, centenas de folhas deslocadas da sua casa, metade de cada folha inutilizada, porque só uma página de cada folha te interessava para essa biblioteca nómada dentro do caos do estúdio, porque só uma página de cada folha podia servir-te de espelho pregada nas paredes da cozinha com banheira (não sei se alguma vez tentante separar as duas páginas de uma folha), a tua biblioteca de páginas arrancadas como pedras atiradas à água que ficam a levitar dois dedos de tensão acima da superfície, é um monstro colorido criado pelos teus quadros para nos enganar com o erro classificatório habitual: materiais de trabalho. Como se existissem antes do que as criou. É como perguntar onde dormem as libelinhas, quando toda a gente sabe que as libelinhas não dormem, que quando dormem parecem aviões comerciais num aeroporto, não libelinhas.

Não sei se alguma vez mediste o alcance da tua responsabilidade. Criar mundos com tintas pode ser repugnantemente irresponsável. A forma que os críticos encontram para te ilibar, um pouco infantilmente, é falar das doenças de pele documentadas em livros médicos que tu possuíste como se os livros médicos tivessem aparecido e sido lidos e observados por ti antes de pintares os teus monstros. Falam, como crianças que não reconhecem a gravidade dos seus jogos, como quem não se apercebe da diferença entre um livro médico, por um lado, e, por outro lado, um livro de desporto ou de política. É possível afastar-te das tuas responsabilidades com teorias correntes sobre o mundo de todos os dias? Sabemos que não é assim. Pintaste esses livros, com os teus quadros, com as doenças da pele que eles documentam: criaste todas as doenças da pele que há no mundo.

O teu contributo para a fábrica da filosofia, ou para a disciplina que alguns tanto acarinham, a ontologia, o estudo do que há, são os teus quadros inacabados. Já sabemos que andaste a criar mundos que nunca mais verdadeiramente voltaram ao redil. O que não sabemos é se estes pedaços de mundo só resultavam das tuas pinturas terminadas ou se, diversamente, começavam logo a destilar dos quadros ainda em construção. Olhando para as tuas obras inacabadas, que não distingo das abandonadas ou esquecidas, não consigo determinar-me sobre esse ponto: suponho que as colecções das obras interrompidas sirvam à ciência para estudar o estatuto ontológico da possibilidade em construção. Há quem acredite que a construção, além de tipicamente encerrar o enigma da pouca diferença (essa terrível semente de mostarda) entre o possível e o impossível, encerra ainda a principal ameaça do tempo: quando paramos deixamos de correr, em qualquer sentido que seja, do passado para o futuro; quando paramos cabe ao tempo escolher o sentido da jornada por vir. Ao parar, nunca sabemos se o próximo arranque será em frente ou às arrecuas.

Naturalmente, deixaste por morte um auto-retrato inacabado. Teria de ser forçosamente inacabado: um auto-retrato completo produziria um outro pintor como tu, Tu, e a simples ausência de um último auto-retrato inacabado deixaria os anteriores auto-retratos activos, a produzir-te pelos séculos dos séculos de novo, Tu entre nós, um regresso herético. Só um retrato incompleto, interrompido, poderia interromper a tua eterna produção de ti pela força dos teus pincéis e outros meios de fazer mundos através das telas.

Bebemos aos cardeais pendurados no açougue. Eles deixam em nós a mesma marca transviada da visão que te marcou cedo: a cara maculada de sangue da enfermeira do couraçado Potemkine, que nunca teve sangue nenhum em vida, mas teve-o todo no Couraçado Potemkine. E isso é que conta, porque assim se fazem os mundos. Pelas mesmas razões que diria que um crocodilo morto não existe, Latour, decerto, falaria de Francis Bacon como um pintor vivo. Mas isso há que perguntá-lo a Francis Bacon.

9.4.13

retrato de Gaspar.



(foto de Chema Madoz)

o único país que Passos e Gaspar sabem gerir...

19:17

Podemos aprender alguma coisa com Thatcher ?

13:14

Podemos.
A dama de ferro foi uma ideóloga da direita radical, da classe dos que só vêem indivíduos-individuais à sua volta, dos que não percebem que só somos humanos em sociedade. Ela negava o próprio nível ontológico do social, quando, na verdade, isso implica ignorar que os nossos comportamentos agregados não são nunca o resultado linear do conjunto dos comportamentos individuais. Por isso há problemas dos colectivos. Thatcher, ideologicamente, ignorava isso. Mas, além disso, essa sua ignorância era violenta. Ela usou o Estado para fazer violência às pessoas - claro, em nome das pessoas. "Tanto amor, tanto ódio", como titula o Público, resulta de um certo tipo de estratégia política. Quem prefere as políticas do ódio, do confronto, quem prefere rasgar, quem prefere ferir e faz disso a sua via, terá grandes títulos. Será amado e será odiado. Podemos encontrar políticos desses tanto à direita como à esquerda. A meu ver, temos de aprender a negar o pão a esses políticos. É isso que podemos aprender com a senhora. Se soubermos recusar essa aura de heroicidade que às vezes concedemos aos violentos.

(retratos)

8.4.13

grandes serviços no Público.

Thatcher.


Poupado, roubo ao Nuno Oliveira:

Da série Grandes argumentos:

Paulo Rangel "Thatcher: um exemplo e uma referência para todos os que acreditam que a política é convicção."

Também o Mao, pá, também o Mao.


No FB.


eleições já?

10:42

Bem sei: estamos já todos fartos deste governo. Uma gente que chegou lá a cavalo num ramalhete de mentiras, que governa arrogante e incompetentemente em pastas-chave, que nunca tem culpa de nada do que corre mal, que julga ter a missão de nos castigar por vivermos. Um governo que usa a crise como biombo da sua cartilha ideológica. Um governo que está a dar cabo das nossas vidas por anos e anos que nunca nos serão devolvidos - embora muitos não percebam isso enquanto a sorte dos outros não lhes bater à porta.

Quer isto dizer que temos de estar entusiasmados com a recente excitação do PS que aproveita o pequeno-almoço, o almoço, o lanche e o jantar para exigir eleições?

Eu não estou entusiasmado com essa exigência de eleições já. Eleições antecipadas valem a pena para sufragar uma alternativa que traga no bojo uma saída desejável para os impasses que amargamos. Para ser alternativa, uma outra política tem de ter conteúdo reconhecível, tem de ser exequível - e tem de estar escorada num bloco político e social capaz de suportar a sua execução. Só vale a pena ir para eleições antecipadas quando essa alternativa existe, é reconhecida pela generalidade das pessoas como tal e se torna urgente adequar a representação ao representado.

Infelizmente, se já todos percebemos o pântano em que estamos, ainda ninguém percebeu muito bem o que vai Seguro e o PS fazer de diferente. Não é o que tenciona fazer de diferente: é o que vai (poder) fazer de diferente. Nem com que forças conta para fazer o que quer que seja.

Nestas condições, o tempo para o PS seria de falar claro e concreto (berrar mais alto não explica alternativa nenhuma: na hora de falar a sério, fala-se mais baixo e mais pausadamente, não se grita mais nem mais depressa). O tempo para o PS seria de apresentar-se activo no debate sobre a reforma do Estado - não para aceitar a sua destruição, mas para lhe opor alternativas, em vez de se refugiar em desculpas procedimentais para não comparecer. O tempo para o PS seria de dar os passos ousados necessários para juntar forças de uma alternativa política e social viável.

Repetir a cada hora a reivindicação de eleições não faz prova suficiente de se ter feito o trabalho de casa - e arrisca ser interpretado como um jogo político com o sofrimento dos portugueses. Ou, então, mera ambição sem ponta de patriotismo - ou, vá lá, sem ponta de bom senso. De passagem, um governo Seguro que desiludisse o país nesta hora grave seria uma desgraça para os socialistas e uma festa para os maximalistas sem quartel de todos os quadrantes.

7.4.13

Coelho ao domingo.

18:54

No meio de muita repetição da conversa do costume, o essencial é que Passos Coelho transforma o acórdão do Constitucional no álibi para o corte permanente de 4 mil milhões de euros, que, como se sabe, já tinha em mente e em preparação há muito tempo.

O único aspecto interessante dessa estratégia é que vai obrigar a oposição a entrar concretamente no debate da reforma do Estado. Acho isso bom, na medida em que desde o início critiquei que a esquerda, em particular o PS, usasse desculpas procedimentais para evitar descoser-se nessa matéria.

LiSBOA EM Si



(Isto é divulgação. Achei que quem por aqui passa gostaria de saber disto a tempo e horas.)

Lisboa em Si tem como objectivo explorar as possibilidades musicais de uma cidade à beira rio. O desenho e toponímia de Lisboa servem como anfiteatro natural para uma paleta de sons e texturas que a caracterizam de forma única e sedutora.

O resultado será uma composição musical de sete minutos, recorrendo aos apitos de embarcações, viaturas de bombeiros, comboios, sinos de igrejas e campainhas de eléctricos. Cerca de cem músicos irão interpretar uma peça original em directo, coordenados entre eles via rádio e espalhados pela zona ribeirinha da cidade.

O evento irá decorrer em toda a zona ribeirinha da cidade de Lisboa, delineado a este pela igreja de St. Estêvão, a oeste pela igreja de St. Catarina e a norte pelo Miradouro de S. Pedro de Alcântara.

Na concepção da obra foram identificados 7 pontos de escuta, que serviram de referências espaciais para um melhor entendimento da dinâmica dos sons neste palco improvisado – Miradouro de ST. Catarina, Praça Camões, Miradouro de S. Pedro de Alcântara, Miradouro da Graça, Castelo de S. Jorge, Miradouro de St. Luzia e Praça do Comércio. A música foi, no entanto, composta para ser usufruída em qualquer lugar, dentro da área já referida, com as variações inerentes às fontes sonoras vizinhas.



Para actulizar a contagem decrescente - e mais informação sobre o projecto - clicar na imagem.

canções anti-racistas.


Billie Holiday - Strange Fruit





Southern trees bear strange fruit,
Blood on the leaves and blood at the root,
Black bodies swinging in the southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.

Pastoral scene of the gallant south,
The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolias, sweet and fresh,
Then the sudden smell of burning flesh.

Here is fruit for the crows to pluck,
For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for the trees to drop,
Here is a strange and bitter crop.

(letra de Abel Meeropol, cantada pela primeira vez por Billie Holiday)

6.4.13

o problema das espécies.


Há uma nova espécie de escorpião,
uma nova espécie de coruja,
há um número imaginário reinterpretado por um poeta renascido,
uma nova espécie de Paraave,
uma linhagem nova de aranhas
e uma de lagartos coloridos,
há um borboletário engenhoso,
uma nova espécie de rã voadora,
novos primatas,
novas espécies de seres dos rios,
há uma nova espécie de peixe de caverna cego,
sete novas espécies de Osga desafiando o saber da taxonomia,
três novas espécies de lampreia apenas em Portugal,
quatorze novas espécies de escaravelho,
uma nova espécie de serpente das vinhas,
novas espécies de pequenos peixes de água doce que indicam águas de boa qualidade,
uma nova espécie de leão,
e uma nova espécie de lagartixa, na Austrália

e tu perguntas "Quantas espécies existem?"
sabendo que só em 2012 a Academia das Ciências da Califórnia encontrou 137 novas espécies?
Não é evidentemente sábia a tua pergunta,
embora possa ser informativa.
Não sendo fácil.
Ou de resposta evidente.

Contudo, pior, mais difícil e mais obscura
será a pergunta
"o inferno são os outros?".

Falta perguntar pelas novas espécies de acocorados.


o Constitucional.

11:33

Em quase nada na vida somos verdadeiramente "decisores racionais". A maior parte das vezes, na maior parte das circunstâncias, não temos por onde escolher, não temos realmente opções, somos constrangidos pela falta de meios, pela falta de tempo, pela falta de conhecimentos, pela falta de alternativas. Somos empurrados, ponto final parágrafo. Mas, num certo número de circunstâncias, mobilizamos razões para decidir como fazer isto ou aquilo. Razões podem ser prazeres, necessidades, valores.

Quando pensamos na vida colectiva, especialmente naquelas encruzilhadas da vida colectiva que são particularmente complexas, vemos que as sociedades se dotaram de mecanismos que permitem tentar uma certa racionalidade das decisões. Os tribunais são um desses mecanismos: em vez de se "decidir" na hora, no calor do acontecimento, segundo as primeiras impressões, pressionados por quem mais berra, procede-se à "instalação" de um mecanismo de apreciação, discussão e decisão: estabelece-se explicitamente o que está em causa, pede-se a cada uma das partes que se explique, discute-se longamente, determina-se o que se pode saber quanto aos factos, afastam-se (tanto quanto possível) as inclinações e as emoções pessoais, fica apenas a lei como critério. Às vezes falha? Sim, mas em geral é muito melhor do que qualquer "julgamento popular", muito melhor do que apreciar por olhómetro, do que deixar agir os preconceitos dominantes no momento.

É por isto ser tão importante para a possibilidade de não vivermos na selva, de não estarmos à mercê da turba, que me faz tanta confusão que tão frequentemente as pessoas queiram substituir um julgamento por uma conversa de café, por opiniões soltas e sem contraditório numa roda de amigos. É por temer os justiceiros apressados que verdadeiramente me fazem medo os que ditam sentenças alternativas sem nunca terem lido as peças processuais, sem nunca terem ouvido as testemunhas, sem nunca terem apreciado o contraditório. Quando um arguido, por exemplo, publica centenas ou milhares de documentos sobre o seu caso num sítio da web e pede às pessoas que vão lá ver para perceberem que ele tem razão, isso quer dizer o quê? Que acredita que, em geral, somos capazes de ler milhares de páginas, sem enquadramento, e perceber o que realmente se passou há anos? A dificuldade de ajuizar foge muito à compreensão da maioria das pessoas. É por isso que os tribunais são tão especiais numa ordem pública civilizada.

O Tribunal Constitucional ditou, sobre a lei do orçamento para 2013, um acórdão com umas duzentas páginas. Não o vou ler, não apenas porque não tenho tempo para isso (mas gostava). É mais por outra razão: mesmo que o lesse, não iria tentar uma interpretação do acórdão. Tenho a noção de que os meus quase nulos conhecimentos de direito não me permitem compreender a ossatura de uma tal decisão. Tenho a noção de que é o tipo de documento que um leigo lê, pensa que percebe e, afinal, não percebe, porque lhe escapa um mundo de argumentos antecedentes, um mundo de interpretações acumuladas. Está mal que não compreendamos? Não me parece: numa sociedade complexa como a nossa, não podemos compreender tudo. Há especialistas, aprendemos a respeitar uns (pela sua coerência e razoabilidade, por exemplo) e aprendemos a desconfiar de outros (pela sua inconstância e maximalismo, por exemplo). E tentamos navegar dando o devido valor ao debate entre esses especialistas. Não quero ser especialista: acho que os meus deveres de cidadania só me obrigam a estar atento ao contraditório entre especialistas nas diversas áreas, não me podendo obrigar a ser especialista em tudo. Tenho a noção de que não posso ler um acórdão do TC, como o deste caso, e julgar com sapiência esta ou aquela alínea, como se isso fosse compreender o mundo do constitucionalismo português.

Tudo isto para dizer o seguinte. Começou o exercício de citar esta ou aquela página do acórdão do TC e dizer que isto ou aquilo está errado ou é insane. Lá está: basta ter um blogue ou um perfil no Facebook para nos substituirmos, da noite para o dia, a um tribunal superior, a um colectivo que andou meses a estudar aquele assunto, dando a nossa pequena sentença e topando esta e aquela falha - da noite para o dia, insisto - com uma clarividência e saber que deveria prover o Constitucional de reservas humanas para os próximos 150 anos.

Prefiro pensar de outro modo: tirando os detalhes, o que o TC vem dizendo é que a legalidade não está suspensa e tem de ser respeitada. Não se trata de uma querela direita/esquerda dentro do TC, como se vê pela expressão das votações (e se confirma pelo voto dos últimos chegados ao TC por proposta dos partidos de direita). Precisamos de nos concentrar em fazer frente à crise dentro da legalidade. E, em vez de estarmos sempre a dizer mal da Alemanha, aprendermos alguma coisa com ela - e termino citando Lígia Amâncio, psicóloga social e professora catedrática do ISCTE, que escrevia no Público: «Enquanto a sra. Merkel manifesta, na sua gestão política, um grande respeito pelo Tribunal Constitucional alemão, evitando tomar decisões que possam ir contra as normas constitucionais, por cá faz-se exactamente o contrário, ano após ano, e só falta pedir que se suspenda a Constituição da República Portuguesa e, com ela, a separação de poderes e a democracia.»

5.4.13

algo que estamos a precisar de fazer à ideologia dominante.

a distância entre as palavras e as imagens.


Tenho sempre muito cuidado em não embarcar nas estratégias puritanas de usar temas progressistas para esconder o desejo de controlo dos comportamentos das pessoas em sociedade. Paternalismos. Lembro-me de, há pouco tempo, o Parlamento Europeu quase ter aprovado disposições censórias sob a capa de defesa das mulheres (claro, com a pornografia pelo meio).
Isto vem a propósito de um caso concreto. Leio que um vídeo de promoção da Louis Vuitton foi acusado de dar uma "visão glamorosa” da prostituição. Ao ler o texto pensei: "pronto, lá vem a conversa do costume: umas maminhas à mostra e já cai o Carmo e a Trindade da objectificação da mulher". Depois fui ver o vídeo (que deixo abaixo). E, na realidade, achei que havia uma sugestão de prostituição de rua, uma ideia de que as belas mulheres da moda andam por aí nas ruas a abordar os carros e os transeuntes e que isso é bonito. Ou que, ao invés, as mulheres que andam por aí na rua a abordar carros o fazem por desejo exibicionista.
Claro que eu ter percepcionado a coisa deste maneira não é um argumento, é apenas uma sensação. Pergunto: qual dos dois lados das minhas reacções está certo e qual está errado? Estou interessado nas vossas opiniões (especialmente nas opiniões de quem NÃO acha que não existe questão nenhuma aqui).



4.4.13

Relvas e a história. De Portugal. Ou será História Universal, mesmo?!





Miguel Relvas sai do Governo e Crato vai anular-lhe a licenciatura.

Pouca cera para fraco defunto. A saber:

Alínea a. Miguel Relvas disse: "Sei que só a história me julgará convenientemente e com distância". Oh homem, a história quer lá saber disso para alguma coisa. Alucinado até à despedida: mesmo os maus precisam de ser bons nisso (ser maus) para a história olhar para eles.

Alínea b. É bem um sinal do país que somos que Crato espere que Relvas deixe de ser ministro para lhe anular a licenciatura.


engenho europeu.




(Correio cipriota.)


3.4.13

profetas portugueses, para o mercado interno e para exportação.




No princípio de Janeiro, Durão Barroso declarou que o Euro tinha sido salvo e que a crise do Euro era coisa do passado.

Este tipo de profetas... pode ser coisa de família... política ?!


(fonte)

artistas portuguesas.


Coisas de que me lembro quando ouço dizer que a maior artista portuguesa da actualidade (?!?!) está a expor num palácio dos poderes que temos.


Paula Rego, O Celeiro, 1994

1.4.13

VISITA AO ESTÚDIO DE FRANCIS BACON.

Clicar em qualquer uma das imagens levará o clicador ao meu último texto na plataforma MILPLANALTOS.