14.11.13

marmeladas, ministros e jornalistas.


O jornalista André Macedo conta hoje, em público, uma história de jornalistas e políticos. Descreve, em breves traços, uma reunião, em algum momento do ano de 2011 antes de Vítor Gaspar apresentar o orçamento de Estado.
Cito:
[Gaspar] não adiantou uma medida que fosse do Orçamento. Limitou-se a descrever "os buracos colossais" e, quase no fim, perguntou o que achávamos do que aí vinha. Espantou-me o convite descarado para uma espécie de sessão de male bonding sem imperiais e futebol, em que Sócrates seria o bombo da festa e o Governo, ainda engomado, a governanta, a precetora que nos iria corrigir.

Perguntar a jornalistas o que acham é como oferecer margaridas a um enxame de abelhas. Baixei a cabeça como os alunos cábulas e esperei que outros avançassem. Porque o fiz? Por desconfiança. Tudo aquilo me pareceu incómodo. Gaspar não dissera nada sobre o Orçamento para 2012, por que raio queria vincular-nos ao nada? Os outros seguiram em frente, passaram um cheque em branco ao ministro que veio do frio. Pediram rigor, exigiram dureza, mesmo sem saber do que estavam a falar. Ajoelharam-se no altar da austeridade e pediram outra reguada.

A primeira pergunta que se me ocorre é esta: como podem estar tão corrompidas as relações entre os jornalistas e o poder para isto acontecer?
A segunda é mais geral: onde estão os que se preocupavam tanto, há uns anos, com a "asfixia democrática"?
A terceira é capaz de irritar os leitores mais inclinados a aceitar o que o tempo nos traz: pode uma democracia sobreviver a uma comunicação social que, em vez de ser dominada pela ideia de servir a missão pública de informar, é dominada pela procura do lucro das empresas detentoras dos órgãos de informação? Na medida em que as coisas não são completamente diferentes na comunicação social pública, a resposta não pode ser escorada apenas na oposição público/privado. Aliás, como quase em todos os domínios: a noção de interesse público tem de ser refinada para escapar às armadilhas das categorias ultrapassadas; um novo papel para a sociedade organizada fora do aparelho de Estado tornou-se necessário.
Era nessas coisas que era preciso pensar quando se pensa em reforma. Mas não: vivemos todos descansados quando alguém vem contar-nos como jornalistas e ministros se reunem em sessões de marmelada que deviam fazer vergonha a todos. "Male bonding sem imperiais e futebol", como diz o André Macedo, pintando um retrato da nossa Roma decadente.