10.3.09

uma experiência de pensamento


Vamos supor que durante quinze dias consecutivos não consulto o meu correio electrónico. Que consequências posso esperar? (Que consequências penso que posso esperar: é uma experiência de pensamento, eu não vou mesmo fazer isto.)

Vejamos tópicos para uma contabilidade.

Quantos trabalhos se interrompem. Quantos desses irremediavelmente.
Quantos avisos dos serviços administrativos, do fisco, do banco, do círculo de leitores, apodrecem com a carência de uma leitura distraidamente atenta. E em quantas dessas falhas de leitura quem vai pagar as favas sou eu.
Quantas correcções deixam de entrar nos meus textos.
Quantas chamadas para apresentações em conferências prestigiosas ficam relegadas para uma consideração lamentavelmente fora de data.
A quantas reuniões falto sem me dar conta.
Quantas perguntas ficam sem resposta.
Quantos anúncios de oportunidades espantosas falha a minha atenção.
Em quantos almoços e jantares deixo a cadeira vazia.
Que quantidade de coisas novas e incríveis, algumas delas descobertas há mais de duzentos anos, deixo de aprender em palestras que me escapam.

E ainda:
Quantas respostas ficam sem pergunta.
Quantos insultos de leitores deste blogue falham, não apenas o alvo, mas o próprio destino.
Quantas palavras, avisadas, ficam retidas nos pensamentos dos seus autores.
Quantos ramos de rosas se transviam.

Alguns destes tópicos, entre muitos outros, haveriam de entrar na contabilidade dos resultados, consequências, efeitos, produtos, de uma experiência social consistente em, durante quinze dias consecutivos, não consultar o meu correio electrónico. Quer dizer: quinze dias é uma eternidade. Pelo menos no meu correio electrónico – o qual está, certamente, longe de constituir um tipo de experiência universal.