28.9.25

Uma escola para a democracia


Deixo aqui, para registo, o meu artigo de opinião que foi publicado ontem no Público.

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Em certa medida, as escolas são barómetros da sociedade. Refletem na sua realidade complexidades que se acentuam na sociedade de hoje, tais como uma maior diversidade cultural, novas tecnologias com peso nas relações interpessoais e nas dinâmicas do espaço público, novas formas de violência e de interferência abusiva na liberdade dos outros (mais insidiosas quando suportadas nas ditas tecnologias).

Sabendo que a comunidade democrática está sob pressão dos que querem implodir “o sistema” (democrático), importa notar que esse risco é real porque o desligamento entre o cidadão comum e o sistema político enfraqueceu o sistema imunitário da democracia. Isto é: como a esmagadora maioria das pessoas se percecionam na periferia dos círculos de decisão e a participação cidadã não encaixa facilmente na vida real das pessoas comuns, acabam por ser poucos a sentir a urgência da defesa das instituições democráticas. Se as defesas adormecem, o sistema periga. Até os que exercem responsabilidades públicas estão muitas vezes reduzidos à irrelevância pela crescente concentração do controlo no topo da pirâmide dos executivos.

Hoje, estes dilemas cruzam-se na escola e enfrentá-los exige fazer da diversidade uma vantagem (uma oportunidade de aprendizagem); fazer prevalecer as dinâmicas de socialização sobre a invasão das tecnologias (domesticando-as); educar para o respeito mútuo da dignidade de todos os seres humanos (em vez de ensinar apenas a escrever e a contar); educar, pela prática, para a participação cívica, para as responsabilidades de construir soluções, para saber distinguir a diversidade de interesses legítimos das pretensões ilegítimas.

Trata-se de fazer avançar uma escola capaz de cumprir a sua missão numa sociedade democrática complexa. Capaz por ser mais participada, mais colaborativa, conjugando lideranças diversas e colegialidade, dinâmicas de cima para baixo e de baixo para cima, conjugação plural de funções diversificadas (há muito que as escolas deixaram de ser só alunos e professores), dando a todos (incluindo aos alunos) mais poder e mais responsabilidades. Capaz por estar mais enraizada na comunidade (mas liberta das dinâmicas político-partidárias locais); por ter mais liberdade para procurar soluções organizativas e soluções pedagógicas diferenciadas em cada agrupamento; por escutar e interagir mais com quem está à sua volta; por conviver bem com o poder local, mas sem que isso permita comprimir a autonomia da escola. Não é implodir o Ministério da Educação (projeto de outros); é dar mais espaço de respiração a cada escola.

Queremos contribuir para que este caminho se faça. Por isso o PS acaba de apresentar no Parlamento um projeto para modernizar o regime de gestão das escolas públicas (até ao ensino secundário).

Vale a pena, para termos um debate sério sobre uma matéria desta relevância, evitar o facilitismo de tudo reduzir a oposições: realidades e virtualidades que se caracterizariam melhor por gradações de qualidades não devem ser pintadas como dicotomias. Por exemplo, tornou-se um refrão dizer que o atual modelo de direção unipessoal (diretor) é necessariamente antidemocrático e que uma direção colegial seria necessariamente democrática. Ora, privilegiando direções colegiais – como privilegiamos –, reconhecemos que as regras não encerram o real numa caixa: o papel concreto dos intervenientes de carne e osso, no seu contexto e na forma de assumir as suas missões, é decisivo.

O que precisamos é de ser mais exigentes a criar ambientes institucionais que potenciem a cidadania participativa e deliberativa, democracia prática, para uma “cultura integral do indivíduo”. E que seja nesse ambiente que as crianças e jovens respirem em fase tão importante do seu desenvolvimento. Para tanto, precisamos de deixar de olhar as escolas como ramificações periféricas de uma administração central napoleónica e deixá-las ser instituições das suas comunidades, inseridas nos seus territórios, reconciliando o uno e o múltiplo.

Porfírio Silva
Vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS


Porfírio Silva, 27 de Setembro de 2025
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