23.9.25

Gestão: Escolas para Hoje e para Amanhã



Republico aqui, para registo, artigo de opinião que saiu no passado dia 19 de setembro de 2025 no Acção Socialista. A publicação original pode ser acedida aqui: Gestão: Escolas para Hoje e para Amanhã

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1. No passado dia 15 de setembro, o Grupo Parlamentar do PS apresentou na Assembleia da República um conjunto de 9 iniciativas sobre Educação, cobrindo várias matérias: valorização dos profissionais da educação, dinamização do associativismo estudantil, revisão do Estatuto do Aluno e Ética Escolar, monitorização da descentralização de competências em matéria de educação para as autarquias, cibersegurança escolar. Neste texto, procuramos, apenas, apresentar o essencial de uma das peças desse conjunto de propostas: o Projeto de Lei n.º 214/XVII, que aprova o regime de direção, gestão e administração dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

2. Esta proposta, construída ao longo de vários anos com contributos de muitos intervenientes no quotidiano das escolas, conhecedores das vantagens e das fraquezas do atual modelo, capitaliza a experiência acumulada na gestão das escolas – mostrando que se pode avançar sem introduzir ruturas e evitando descontinuidades radicais.

3. O projeto de lei respeita uma lógica de subsidiariedade, em dois sentidos. Por um lado, foca-se na definição dos aspetos estruturantes do regime de direção e gestão, deixando para regulamentação governamental aspetos de implementação. Por outro lado, deixa vários parâmetros para decisão em sede de regulamento interno, pelas próprias escolas.

4. A lógica global do modelo proposto traduz uma orientação para uma escola mais participada, mais colaborativa, conjugando lideranças e colegialidade, investindo mais na conjugação plural de responsabilidades de diversas funções. Esta orientação geral traduz-se num reequilíbrio de poderes entre órgãos, que não consiste em tirar competências a uns órgãos para as entregar a outros, buscando-se, outrossim, um reforço de todos os órgãos nas suas competências próprias:

a) um conselho geral (cujo formato tem parâmetros, mas com margem para decisões locais) a exercer as suas funções com mais independência, com uma participação de elementos externos mais numerosa, mais ativa e mais qualificada, focando o órgão na sua missão essencial de ligação da escola à comunidade e sem interferência na eleição da direção (que, muitas vezes, induzia uma indesejável contaminação pelas dinâmicas político-partidárias locais);

b) uma direção eleita por uma assembleia eleitoral própria (com professores, técnicos, delegados dos alunos e representantes dos pais e encarregados de educação), que passa a ser um órgão colegial (sem destruir a diferenciação de funções dentro da equipa), combinando liderança e colegialidade (continua a existir um diretor, mas que se apresenta e funciona numa equipa), com margem para a adaptação a diferentes perfis de liderança, dispondo dos mecanismos fundamentais para fazer funcionar o agrupamento;

c) um conselho pedagógico mais forte, com importantes poderes próprios que devem ser exercidos em conjugação de esforços com a direção, com um formato mais flexível cujo desenho concreto será escolha da própria escola, cuja ação tem como eixo central o projeto educativo e a estratégia de educação para a cidadania;

d) um reforço da participação dos alunos na vida institucional da escola, designadamente através da Assembleia de Delegados de Turma, copresidida pelo presidente do conselho pedagógico e por um copresidente eleito de entre os delegados; o papel dos representantes dos alunos no conselho pedagógico e nos conselhos de turma é regulado, equilibrando os direitos de participação com as adequadas garantias deontológicas.

A proposta prevê o controlo da garantia de serviço público, exercido pelo governo em situações excecionais, e que pode ser espoletado, num regime extraordinário, pelo conselho geral.

As reuniões ordinárias (e, eventualmente, algumas das reuniões extraordinárias) do Conselho Geral são públicas e contam com um período para intervenção do público, procurando reforçar o papel do agrupamento de escolas ou escola não agrupada como instituição da comunidade, transparente para a comunidade e aberta à interação com a comunidade.

5. O projeto de lei ora apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS traduz um trabalho que o partido (rede nacional de socialistas na educação, onde participam socialistas com diferenciadas funções nas comunidades educativas em sentido lato; secções sectoriais de educação; dirigentes nacionais; deputados) tem vindo a realizar, em várias iterações, ao longo dos anos.

Esse trabalho correspondia a compromissos eleitorais públicos e concretos.

No programa eleitoral de 2019: “Avaliar o modelo de administração e gestão das escolas e adequá-lo ao novo quadro que resultou do processo de descentralização e aos progressos feitos em matéria de autonomia e flexibilização curricular”. A pandemia de Covid-19, um grande aperto pelo qual o país passou, com o extraordinário esforço exigido à escola pública, desaconselhou que se desviassem esforços para discutir organização das escolas.

No último trimestre de 2021, na sequência do chumbo do Orçamento de Estado pelos votos conjugados da direita, do BE e do PCP, o parlamento foi dissolvido e marcadas eleições para janeiro de 2022. Entra, então, o programa eleitoral de 2022: “Reforçar o modelo de autonomia, administração e gestão das escolas, perspectivando uma maior participação e integração de toda a comunidade educativa, a valorização das lideranças intermédias e o reforço da inserção da escola na comunidade (onde a autonomia reforça a escola e a descentralização reforça a proximidade e qualifica o contexto da comunidade educativa)”. Mais uma vez, essa legislatura foi curta: não pelo voto do povo, nem sequer pelos votos dos deputados, mas por uma crise provocado por um parágrafo num comunicado da Procuradoria-Geral da República. No setor da educação, uma elevada conflitualidade laboral levou a adiar, mais uma vez, a apresentação desta iniciativa legislativa, que estava já bastante amadurecida.

O compromisso de refrescar o modelo de gestão das escolas manteve-se nos programas eleitorais seguintes, num calendário sempre mais acelerado: com sucessivas dissoluções do parlamento e legislaturas cada vez mais curtas, o que fica mais prejudicado no trabalho legislativo são os projetos com natureza mais estruturante e que respondem a desafios de longo prazo. É o caso da modernização da gestão das escolas. Desta vez, logo no início da legislatura, o PS toma a iniciativa de abrir um debate que, esperamos, deverá conduzir a soluções legislativas adequadas aos atuais desafios da escola pública.

6. Fazer evoluir o modelo de gestão das escolas não é o mesmo que pretender regressar ao modelo anterior. Aqueles que aceitam a mitologia de que “antes é que era bom” (neste caso, “antes é que era democrático”) parecem ter esquecido que o modelo anterior, quando foi substituído, tinha há muito deixado de funcionar. A memória é, pois, importante para não cometermos os mesmos erros do passado. A proposta do PS reforça, em toda a linha, a participação e a colaboração como dinâmicas essenciais das escolas.

O funcionamento democrático das instituições não resulta, automaticamente, das normas legais; exige, também, práticas democráticas dos intervenientes nos processos. Nunca alinhámos na teoria de que os diretores são como os antigos reitores. Mesmo que alguns o sejam, as generalizações são abusivas. Ao mesmo tempo, muitos diretores sempre tiveram práticas de colegialidade, participativas e democráticas, para além da letra da lei. Daqui resulta que, para aproveitar o melhor das dinâmicas nas escolas, o que precisamos é de afinar, com inteligência, os equilíbrios de competências, a responsabilização mútua e a colaboração, a participação de todos na missão de quantos fazem funcionar e progredir a escola pública. É nesse sentido que avança a proposta do PS.


   Porfírio Silva, 23 de Setembro de 2025
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