20.7.25

Imigração: assumir esta reforma estrutural



Em política não podemos andar sempre à defesa. O que fazemos de positivo tem muitas vezes a oposição dos que se limitam a andar à boleia das perceções, mesmo que as perceções sejam fruto da manipulação dos demagogos. Este texto é sobre Portugal e a imigração. E a atitude afirmativa que o PS deve prosseguir.

José António Vieira da Silva, várias vezes ministro em áreas sociais e dirigente nacional do PS, deu (19/07) uma entrevista ao Negócios e à Antena 1 (programa Conversa Capital), onde faz afirmações que merecem cuidada atenção. Destacarei, aqui, um dos aspetos cruciais do seu pronunciamento.

José António Vieira da Silva vê, quanto ao crescimento da imigração em Portugal, dois caminhos: diabolizar os problemas ou encarar o fenómeno como uma oportunidade.

A referência à diabolização dos problemas que podem resultar do crescimento (acentuado) da imigração é, apenas, ser realista. É evidente que, se andamos há décadas a falar da “crise do Estado-Providência”, e, mesmo assim, ainda dele não desistimos, é porque temos consciência das suas dificuldades e sabemos que elas residem em dinâmicas profundas que tornam mais fáceis (no imediatismo) as receitas do capitalismo selvagem do que as receitas da coesão social.

Se temos dificuldades nos serviços públicos essenciais, como a saúde e a educação, e temos uma enorme crise na habitação, está bem de ver que um influxo rápido e substantivo de residentes no território nacional constitui um desafio de grandeza significativa, desafio ao qual temos de responder e que não tem resposta fácil. Nem sempre fomos capazes de ver a tempo o significado desse aumento populacional, nem sempre fomos suficientemente rápidos a responder – e confiámos demais no “espírito acolhedor” dos portugueses.

Quando escrevo “nem sempre fomos capazes…”, o sujeito é Portugal, no seu conjunto – mas não exclui o PS e os seus governos. É que nem sempre há respostas ótimas e céleres para grandes problemas – e só os demagogos esquecem isso. Lembram-se da pandemia, lembram-se do choque de inflação causado pela guerra na Ucrânia – dois fenómenos brutais que a antiga presidente do PSD, Manuela Ferreira Leite, afirmou terem sido “bênçãos caídas do céu para os governos do PS”? Tamanha crueldade não é só fruto de corações secos; é pura falta de noção da responsabilidade cívica e política. De qualquer modo, apesar desses irresponsáveis, que só pensam em explorar eleitoralmente as dificuldades do país para mero proveito próprio imediato, é verdade que um aumento significativo da população residente traz novas questões a resolver e exige novas respostas.

Esse é o ponto: há problemas e precisamos ser mais eficientes a resolvê-los. É isso que devemos fazer. Outros escolhem “diabolizar” os problemas – e, mesmo, diabolizar as pessoas que trabalham entre nós e por nós. A escolha da extrema-direita sempre foi diabolizar. Problemas e pessoas. No Portugal de hoje, a escolha de um partido central do regime democrático, que ainda se designa “social-democrata”, é, agora, fazer o mesmo caminho da extrema-direita. O sucesso que a extrema-direita alcança ao enredar o PSD nessa armadilha estimula-a, aliás, a tentar estender a sua rede a outros sectores. E por aí avançam os que optam pela diabolização. Funciona na refrega mediática, pelo menos no imediato. Pode, até, dar uns votos. Mas não resolve problema nenhum e é irresponsável face ao real interesse nacional.

É aí que entra o outro ramo da alternativa: encarar a imigração como oportunidade. José António Vieira da Silva diz o mais visível quando se refere aos bloqueios no mercado de trabalho, e aos danos em setores de atividade como a agricultura, como consequências das restrições à imigração que a AD introduz com a muleta do CH. Mas poderíamos citar, também, embora a mais longo prazo, a demografia: não estamos a ter filhos na quantidade que o país precisa para continuar a ter a população necessária para se desenvolver social e economicamente – e a imigração é um extraordinário contributo para reverter essa situação.

Vieira da Silva diz isto de forma muito poderosa quando, lembrando aos esquecidos que entre 2014 e 2024 o número de trabalhadores dependentes a descontar para a Segurança Social cresceu mais um milhão de pessoas, em parte graças à imigração, afirma que, com o seu contributo para o emprego e para o crescimento económico, esta é "a segunda maior mudança estrutural", a seguir ao aumento das qualificações. A direita já teve o seu tempo de desprezar a importância do aumento das qualificações (quando dizia que havia doutores a mais e que isso não acrescentava nada de decisivo à economia); agora, está no tempo de desprezar a possibilidade da viragem estrutural que nos pode retirar da decadência demográfica.

O ponto é este: a questão da imigração é uma questão de humanidade, mas não é só. Alguns terão dificuldade em entender o alcance do artigo primeiro da Constituição da República Portuguesa: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Mas, mesmo os que têm dificuldade em acompanhar o significado dessa definição de Portugal, poderiam, pensando um pouco mais em tempos longos e um pouco menos em interesses eleitorais imediatos, compreender que o progresso da comunidade nacional precisa dos imigrantes.

Em vez de andarmos em guerrilhas defensivas a tentar paliativos para a popularidade do discurso racista e xenófobo da extrema-direita, devíamos assumir, com frontalidade, que Portugal precisa dos imigrantes, precisa de muitos imigrantes, precisa dos trabalhadores imigrantes para que a economia não estiole. Portugal precisa dos homens e das mulheres que trabalham nos nossos campos, nos nossos serviços, nas nossas casas. Portugal precisa dos homens e das mulheres jovens que nos procuram para melhorar o seu futuro – e que também melhoram o nosso presente e o nosso futuro. Portugal precisa dos filhos dos imigrantes para vencermos o desafio demográfico. Portugal enriquece culturalmente com essa gente com tantas línguas diferentes, com tantas gastronomias diferentes, com tantas músicas diferentes. Portugal não pode ser um vulgar imitador de Trump, violentando aqueles que, connosco, podem fazer uma terra melhor para todos – como tantos portugueses fizemos em outros países, no passado.

Dará trabalho concretizar as políticas para que isto seja uma realidade. Nem todas as respostas são evidentes e podemos não acertar sempre à primeira com a melhor maneira de fazer as coisas. Mas vamos fazer o que seja preciso fazer para que a imigração concretize as suas potencialidades para dar um novo alento ao progresso social e económico de Portugal.

Vamos afastar-nos do caminho dos que escolheram diabolizar. Vamos trilhar o caminho desta grande reforma estrutural, social, económica, demográfica e cultural. Portugal precisa dos imigrantes. Quem diaboliza os imigrantes e os problemas que estão por resolver no seu acolhimento, esses é que fazem mal a Portugal. Vamos continuar a trabalhar para concretizar esta reforma estrutural, em vez de acompanhar os que só pensam na sobrevivência política imediata e esquecem os interesses reais de Portugal e dos portugueses.

E mais: cá estaremos para pedir responsabilidades pela violência na sociedade que resulte do discurso de ódio promovido pela extrema-direita e protegido por quem lhes devia fazer frente. 



Porfírio Silva, 20 de julho de 2025
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